sábado, 3 de setembro de 2011

Babel e o Onze de Setembro


Numa certa etapa da minha adolescência eu tive um livro de inglês, pedido pela Escola, no qual havia muitas fotos de cartões postais dos Estados Unidos e da Inglaterra, para nos incentivar a aprender a língua deles. Uma dessas fotos mostrava o WTC, dois prédios ladeados, iguaizinhos e muito altos. Nessa foto havia um belo céu azul e uma luz forte cobrindo o panorama. Movida pelo gigantismo das torres, eu gostava de imaginar-me gigante também. Então imaginava que estava no topo de uma delas e com um simples passo alcançava o outro prédio gêmeo.
Sempre tive certa preguiça em aprender línguas. As fotos do livro de inglês me estimulavam mais a imaginação do que o gosto pelo idioma inglês.
A imaginação tem um poder incrível na nossa capacidade cognitiva. Não se deve desprezá-la. Foi por causa da imaginação que guardei comigo aquele céu azul, aquela luz, aquele gigantismo... a lembrança de querer ser norte-americana. Um sonho...
Na manhã do dia 11 de setembro de 2001 eu estava ocupada no trabalho. Não tinha internet no meu computador. O único sinal de que aquela manhã era diferente das outras eu senti quando, por causa de tarefas do trabalho, liguei para o setor de câmbio do banco para saber a cotação do dolar. Alguém oferecera ao padre, meu patrão, a proposta de assinatura de um jornal italiano, cujo preço estava em dolar. Ou seja, quando liguei para o banco, eu não estava interessada em investir na moeda americana, mas só me informando de quanto custaria a assinatura do jornal em reais. Percebi porém que o funcionário do banco estava nervoso. Ele me atendeu como se a minha pronúncia da palavra dolar fosse uma provocação. Senti que, embora falássemos a mesma língua, não estávamos sintonizados no mesmo assunto. Havia algo estranho no ar...
Mais tarde, por volta das quinze horas, minha colega de trabalho chegou para trocarmos de turnos. Ela vinha falando de coisas que tinha visto pela TV, gente saltando pela janela de prédios, aviões batendo em prédios em Nova York. Citou o WTC e imediatamente lembrei da imagem com o céu azul e a luz banhando as torres gêmeas do meu livro de inglês.
Essa é a lembrança que tenho do Onze de Setembro: meu desprezo ou preguiça no empenho em aprender línguas estrangeiras. Sem compreender o que acontecia - porque de repente eu era uma estrangeira dentro da minha cidade - perambulei pelo centro dessa cidade a ver, nos aparelhos de TV das lojas, as cenas de Nova York atacada.
Mais tarde, em casa, eu assistiria a todos os noticiários sobre os ataques e continuaria sem entender. Os jornalistas falavam, falavam, eu não compreendia o que estava acontecendo. Vinham os especialistas em política; eles falavam, falavam, e eu não compreendia.
Mas as imagens... elas que não paravam de passar e circulariam pelas mídias por dias, semanas, meses, anos...
As imagens mostravam claramente, num brasão do ocidente, um punho gigante kafkiano destroçando a cidade.

4 comentários:

  1. foi um dia incrível! uma ação espetacular! como se o homem diante dos gigantes umbrais da lei se rebelasse! como se o homem\barata metamórfico, assumisse a condição e voasse e para que tudo com ele ruísse , ou fosse jogado pelos ares, segundo o ponto de vista! bom dia!

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  2. no jogo da esgrima, um toque mortal, como no jogo, o gigante foi tocado, touchè! a metamórfica barata\homem,assumindo a sua condição de inseto, voou! 11|9 é interface entre o antes e o depois, quase religioso. Nunca mais céu azul!
    bom dia!

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  3. E quantos passos faltam para alcançar o inseto voador? O que se sabe sobre ele e o que ele pensa e sente? Sua língua ainda é muito estrangeira para nós, embora ele tenha conseguido prender nossa atenção pelas imagens que produziu: imagens de cinema!

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  4. em kafka nada é "atingível" além do impasse, e o impasse não é exatamente um par de asas, se tanto a gravidade. uma das imagens kafkianas de minha infância era uma latinha de pó royal, que no rótulo estampava outra, e dentro daquela outra...

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