sábado, 22 de dezembro de 2012

Yoñlu


Enquanto interrompo a leitura do livro da Márcia Tiburi - por preguiça mas também por ter outras prioridades de leituras - vou postar aqui as impressões sobre um CD de um músico do Rio Grande do Sul, que infelizmente já é falecido. 

Preciso esclarecer que meu ouvido é mais literário do que musical. Aliás eu não tenho conhecimento nenhum de música a não ser como apreciadora do trabalho de alguns artistas como Peter Gabriel, desde os tempos de Genesis, e talvez um pouco da MPB.
Vou escrever alguma coisa sobre as seguintes faixas (que estão nos dois CDs lançados postumamente): “Q-tip”, “Humiliation”, “I know what it’s like”, “Mecânica Celeste Aplicada(Luana)” , “Waterfall” e “Tiger”.

“Q-tip”. É uma música que chama atenção com suas cordas inofensivas que parecem nos conduzir para uma poesia musicada também inofensiva, mas... eis que surge no meio caminho um ruído... uma recorte de televisão, uma apresentação televisiva banal desses que assistimos todos os dias na TV, um locutor que deve apresentar as previsões meteorológicas e que está num dia péssimo e se atrapalha todo durante a locução do clima. Enquanto assistimos o homem do tempo se apavorar com seu trabalho, voltam as cordas, que agora caminham para um tom impiedoso, pesado, anunciante de um desfecho trágico de uma história que sequer tivemos chance de conhecer direito. Surgem gritos, gemidos, talvez uma morte. Não sabemos... (pelo menos eu não soube identificar). Parece que tudo é apenas televisão. Terminamos a audição com apenas uma certeza: estivemos reféns daquelas cordas, daquela melodia agradável e daquela estratégia, por alguns minutos... e nem nos demos conta disso.

“Humiliation”. Voz e violão, isso é tudo. E uma letra que expresse com harmonia toda a dor de ter que atravessar o inferno. E uma melodia que pergunta o sentido desse inferno. O próprio poeta responde da profundeza do seu infortúnio...
Mas se Dante visitou o inferno apoiado e guiado por seu mestre Virgílio, por que não fazer o mesmo, na companhia de um mestre também? Yoñlu tinha vários: João Gilberto, Caetano Veloso, Thom Yorke, Vitor Ramil, John Frusciante. Vê-se que eles estiveram presentes durante essa dolorosa travessia.

“I know what it’s like”. Parece um chamado, mas a voz demonstra algo como um relaxamento (embora a letra da música informe o contrário). Não nos detemos diretamente no pedido de socorro porque todo o ritmo tem algo de doce e leveza típica da MPB. O violão perambula por ruas ainda seguras e temos a certeza de dias bons. Mas a poesia grita. Grita numa voz suave a meio nasal (que a mim lembra um pouco Bob Dylan), que insiste em convencer que está tudo bem com o poeta.
Não, ele não está nada bem. A palavra não deixa dúvida: o poeta sofre e brinca de não sofrer para sobreviver. Dedilha o violão como um menino crescido nas rodas de boêmios, embora, na realidade, nunca tenha o hábito de sair para a boemia. A boemia parece-lhe um sonho. Eis o panorama que Yoñlu pinta nessa música e nessa poesia grandiosa, grave e coesa.

“Mecânica Celeste Aplicada (Luana)”. Mais uma vez sou atraída mais pelas palavras do que pelo ritmo. É vício de escritora... Nessa música, mais uma vez, Yoñlu nos engana com a leveza e com a suavidade de um ritmo, para nos mergulhar numa poesia crua. “O sol vê tudo” mas não vê o essencial. Eis a marca, talvez, de um momento dramático, pulsante, definitivo de Yoñlu. Ele sente que, por gostar de alguém, talvez possa viver a realidade, talvez possa assumir-se Vinícius. Mas a identidade que criara para se proteger do mundo está estabelecida. É difícil sair desse castelo, sobretudo para a noite, para a lua, para Luana. Assim, faz-se necessário observar o sol, que também não pode beijar a lua e permanece – como diria a poetisa Mara Senna – seu namorado eterno.
Mas essa eternidade dói demais. Ao mesmo tempo em que se coloca no lugar do sol, o poeta revela sua fragilidade diante do namoro não vivido, não declarado, não consumado.

“Waterfall”. Nas coisas que li aqui e ali na internet sobre Yoñlu, eu soube que um de seus sinais de bom humor era uma mania engraçada de, ao final de uma aula, perguntar ao professor “Mas e a relação com a água?”... A brincadeira agradava a classe e garantia ao adolescente deslocado uma imagem simpática perante os colegas. Mas acima dessa estratégia de sobrevivência psico-escolar podemos ver, na relação com água, algo mais profundo de Yoñlu: a questão da vida. Isso me parece claro nessa música que agrega violões pulsantes, vocais clamorosos como em prece - ainda que sem palavra - emergências sonoras dando sinais de algo lindo que virá. E vem. Temos batidas eletrônicas em ritmo cardíaco, acrescentadas de mais vozes vitais e contínuas que levam a um derramar abundante de água clara e pura.

“Tiger”. Deixei essa música para o final porque ela é a que mais me incomoda. Mas o incômodo é algo bom, magnífico, precioso, pois nos permite sair do banal. Sim, no que depender de nós, toda inquietação será despida!
Em alguns comentários que pude garimpar na internet, percebi que essa canção tanto pode ser adorada quanto odiada. Mas assim como qualquer obra que se encontra nessa súmula, “Tiger” é impossível de passar despercebida. É impossível ficar indiferente frente a uma música tão provocativa.
Em primeiro lugar Yoñlu faz aqui uma homenagem ao cinema ao se referir à saga de King Kong usando, porém, um tigre no lugar do animal herói. Essa comunicação me pareceu muito bem vinda porque traz à luz uma preciosidade do seu temperamento. O jovem músico, que gostava de gatos, humaniza um tigre na mesma medida em que animaliza o homem. Coisas de gênio!...
Como ele animaliza o homem? Simples: no meio da música Yoñlu implanta uns poucos segundos de uma fala em inglês de trás para frente. Sobre essa fala – incompreensível – ele sobrepõe algumas palavras dele em português que não informam nada de interessante, apenas alguns detalhes da gravação. E nós nos sentimos movidos a rodar a música no sentido inverso para saber o que foi dito no fragmento gravado de trás para frente. É assim que ele animaliza o homem: provocando sua curiosidade, sua racionalidade... exigindo que o homem se lembre do mito bíblico de Babel, quando Deus confundiu as línguas como castigo pela prepotência da humanidade. Temos então um ser humano impotente (desejando entender o desconhecido) e um tigre agindo com inteligência (ao convencer um ser humano fêmea de que a civilização não é tão bacana assim).
Mas além disso, do ponto de vista musical, quero chamar a atenção para a capacidade de Yoñlu costurar retalhos musicais. Imagino que construir numa única música um conjunto de ritmos seja uma tarefa ousada. Em “Tiger” os ritmos se alteram com precisão cirúrgica, conduzindo os ânimos do ouvinte sem que ele perca o chão (e se mantenha preso à música). Essa precisão eu já tinha ouvido em outra música de Yoñlu, “Yonner mix”, que eu garimpei na internet e que não está presente em nenhum dos dois CDs do músico. Enfim, fazer mistura é uma arte... É preciso misturar sem chocar ou repudiar aquele que vai provar a mistura. Ao contrário, a boa mistura seduz, atrai, domina.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

OLHO DE VIDRO - parte VIII


Segue aqui o comentário de mais um capítulo da parte TELA do livro OLHO DE VIDRO, de Márcia Tiburi. O capítulo intitula-se: “Medusa e máscara”.
Márcia acentua sua argumentação sobre a morte do sujeito frente à televisão. Aqui ela está tratando da busca de um sujeito do conhecimento. O sujeito do conhecimento quer captar o real, mas ao olhar para a tela da TV na ânsia de ver o real depara-se com uma máscara, a prótese do conhecer. Existe algo atrás da tela que é o objeto da busca do sujeito, ou telespectador mascarado de sujeito. Existe uma ilusão de que o que há por trás da tela seja o real. Contudo a tela, a superfície que separa o espectador do objeto a ser visto, possui o domínio sobre o objeto. A televisão aqui possui o poder da Medusa mitológica, que ao cruzar seu olhar com o espectador, o transforma em pedra. Essa pedra, agora podemos entendê-la como a própria audiência coletiva. “Se não há mais algo como sensibilidade é porque não se pode mais falar de um corpo no sentido em que conhecemos até aqui e se não há capacidade de reflexão pela consciência crítica  não há mais sujeito” (pg 150).
Perseu, o herói que vai enfrentar e vencer o poder de Medusa, só alcança a vitória porque também se faz máscara. Seu sucesso consiste na tarefa de evitar cruzar o olhar com o monstro. Em outras palavras, ele não pode deixar que seus olhos sejam aprisionados.
Márcia demonstra que, no entanto, as imagens que nos cegam – ou nos transformam em pedra – são parte de nós, já que foram feitas para nós, “já que de nós surgiram”. A audiência coletiva se conforma com um olhar coletivo da televisão sobre os telespectadores. Ela nos olha como um mesmo e único espectador; esse olhar tende, assim, a ser autoritário. Está encerrado o espaço para a ação cognitiva do indivíduo. A pele-tela que nos separa do objeto se encarrega de surrupiar a sensibilidade e banir o crítico da sala de TV. Mas como isso acontece? O texto nos diz da simetria entre a imagem televisiva (que deve agradar o espectador) e a servidão do espectador ao aparelho. Aqui compreendo que a Medusa petrifica quem a olha porque não quer ser vista. A Medusa-Televisão, por sua vez, petrifica porque - seguindo a reflexão de Márcia (apoiada por vasta bibliografia) - estabelece-se como deus, “exigência de adesão”. Esse novo deus dita a simulação do real (máscara) àqueles que se sentam diante da TV como um rito para conquistar certezas. O sujeito não apenas morre como se torna objeto do olhar televisivo.

Encerro este comentário  observando que, na teledramaturgia brasileira, assim como em programas variados, raramente se vê a presença de um aparelho de TV no cenário, a não ser quando num dado momento da narrativa faz-se necessário a presença dele. Mas de modo geral, mesmo num cenário que represente uma casa (de qualquer classe), nunca se vê um aparelho de TV presente, contrariando ou mascarando a realidade, visto que esse eletrodoméstico é comum em grande parte das casas.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

OLHO DE VIDRO - parte VII


Passamos para a 2ª. Parte do livro “OLHO DE VIDRO”, de Márcia Tiburi. Essa parte recebe o título de TELA. E seu primeiro capítulo: “Prótese, Superfície, Tela”.
Nesse primeiro capítulo Márcia se apoia em Walter Benjamin para nos localizar em seu discurso. Márcia nos mostra, através de Benjamin, a mudança, o deslocamento que a percepção sofreu com a introdução da tela de cinema num mundo onde estávamos habituados com a tela com imagem parada. Houve um choque, uma violência, cuja consequência é uma alteração radical no espectador. “Podemos interpretar este perigo existencial como uma nova forma de comportamento em que uma ação causa uma reação, em que a hiperexcitação não apenas aniquila a capacidade ativa, mas a torna compulsiva, ou seja, robotizada, não livre”. (pg 129)
O olhar, dependente agora do movimento, torna-se evento do tempo. O corpo está imóvel. E imóvel tende a ficar a reflexão enquanto se busca acompanhar o movimento.  O espectador, agora telespectador, precisa se organizar diante de uma prótese da vida, a tela sob a dinâmica da nova técnica de imagem. Nessa condição, em relação a tela tradicional, o prejuízo do sujeito é inevitável.
Considerando que o mundo das imagens é de natureza não só estética mas também política, Márcia propõe que olhemos para transformação do sujeito que assiste à tela em movimento: “O sujeito é devolvido a si mesmo como coisa, em certo sentido é dessubjetivado” (pg 135). Todo o processo começa com a alegação de que o espectador já não busca o objeto mas é por ele capturado. O objeto se interpõe. Na medida em que esse processo é de ordem coletiva a cognição é estetizada. O olho fixo na tela – o ato de tele-ver  ou  inver – reduz o sujeito que olha em sujeito protético.
Termino esse breve resumo com a exposição de Márcia Tiburi sobre os termos “telona” (cinema) e “telinha” (televisão). “Enquanto a grande tela nos abarca para nos mostrar o que é maior do que nós mesmos, promovendo distância e crítica, dúvida e autorreflexão, a pequena tela seria aquilo que abarcamos com nosso olhar. Supomos assim ser menores do que o cinema, que nos faz maiores, e maiores do que a televisão, que nos faz menores. O poder do  maior é o de nos conter, o do menor é o de nos concentrar”.  (pg 136). Outra observação importante de Márcia: os filósofos que pensaram o surgimento da imagem em movimento não sabiam ainda do que viria, as câmeras individuais e o YouTube, por exemplo, o que concede outras características ao sujeito. 

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

OLHO DE VIDRO - parte VI



                Enquanto leio OLHO DE VIDRO, de Márcia Tiburi, vou tentando imaginar um telespectador ideal. Não gosto muito de ser idealista, mas enfim... volta e meia me descubro assim...
                Um telespectador ideal  seria... alguém que conseguisse regenerar e multiplicar seu olho quando esse olho é comido pela televisão. O olho regenerado e multiplicado será sempre alvo da fome da televisão, por isso ele deve se manter atento... atento a si e à televisão.
                Mas, falemos do livro. Li o capítulo chamado “VIDEODROME  - O VÍDEO E A CARNE”. Bom, se o raciocínio de Márcia Tiburi nesse livro sobre televisão já nos oferece uma visão com um tempero um tanto exótico, imagine um capítulo onde a autora traz à baila o cineasta canadense David Cronenberg, que assina o filme “Videodrome” (1983). Cronenberg, por si só, possui  um gosto pelo tema que eu costumo identificar como a deterioração do corpo. Seus filmes são perturbadores porque ele descobre doenças corpóreas que a gente não imagina. Na verdade, acho que as doenças criadas por Cronenberg não podem ser classificadas como tal, porque ele sugere – pelo menos nos dois filmes seus a que assisti: “A mosca” e “Gêmeos, mórbida semelhança” – uma contemplação da anomalia ao invés da cura...
                Nesse capítulo Márcia vai ao extremo da sua proposta de adotarmos a televisão como um olho artificial. Ela se apoia no filme de Cronenberg para clarear sua teoria  na qual temos “a relação orgânica, o novo corpo, daquele que, sem ser sujeito, permanece sendo corpo” (pag. 115), corpo que se capacita para ser depositário de um discurso.. . Ora, se podemos entender o conhecimento como resultado da nossa sensação do mundo através dos sentidos, então temos que admitir o corpo como instrumento político (Foucault saberia como argumentar sobre isso melhor que ninguém).           
Esse corpo, submetido a uma transformação em máquina (o novo corpo), carrega em si o histórico de captar o mundo pelos sentidos. Mas a máquina, injetada no corpo pensante, contém em si também um pensamento...  alheio ao corpo que recebe a injeção da máquina. Temos aqui um sujeito disforme!... Ou então temos a eliminação do sujeito, já que a realidade produzida para o sujeito pode destruí-lo e já que ele se perde entre a realidade e a alucinação. Não resta dúvida de que Márcia Tiburi quer chamar a atenção para a subjetividade, malograda, do corpo, cujo olho já foi “comido”.

domingo, 5 de agosto de 2012

Olho de Vidro - parte V



                No capítulo “Fome de Olho”, Márcia Tiburi faz uma interessantíssima colocação do conceito de inveja, para dar continuidade ao argumento da atratividade da televisão. Vejamos se consigo resumir aqui essa ideia um tanto complexa.  Márcia explica que “Ver nos dá uma informação exterior sobre a coisa. A inveja é o contrário.” (pg 106). A inveja consiste em querer comer  o que é visto, no sentido de que o que é visto apresenta objetos que serão divididos entre o que será tomado para mim e o que será descartado, jogado fora.  A Invidia seria o excesso do ver.
                A ação de tomar para si está muito próxima da ação da eliminação. A inveja é a confusão entre devorar e eliminar aquilo que quero devorar. Ou devorar aquilo que quero eliminar.
                Desse processo apossou-se a tecnologia, que cuida de oferecer ao olho o que ofereceria a um olho artificial: um objeto programado para ser devorado.  O olho artificial – o olho de vidro – é observador e observado ao mesmo tempo.
                Ao que parece a teoria quer nos fazer crer numa ação televisiva enquanto isolamento do ver-total. O que chamo de ver-total é o que nossos olhos veem fora do propósito televisivo, embora eu concorde que nosso olhar, alheio à televisão, ainda carrega em si componentes do olho de vidro, pois nossa cultura não sobrevive sem a televisão. “Quando falamos de televisão não se trata de uma caixa preta no sentido da fotografia, mas muito mais a caixa de Pandora do Espetáculo” (pg 110).
                Estamos nos aproximando, assim, do que quero “devorar”: a política por trás do aparelho de TV. Pois o que parece meio óbvio ganha mais força quando sustentado por uma observação filosófica. Assim acredito...
                O capítulo ainda não acabou. Tenho que continuar lendo... No momento em que estou parando Márcia fala da decisão de ver do sujeito. E que tal decisão é paralisada pela televisão. Acho que estamos diante de uma batalha que envolve câmera e tela.   
                

segunda-feira, 23 de julho de 2012

olho de vidro - parte IV


Dando continuidade ao capítulo “Mirabilia”, do livro OLHO DE VIDRO, de Márcia Tiburi, vamos entendendo a dimensão do poder que uma imagem exerce no olhar ao cativá-lo pelo fascínio.  Ao mirar um objeto, consequentemente passo por uma construção, uma afirmação. A televisão, enquanto momento técnico na história do olhar, promove essa afirmação segundo  seu método.
            Vou me permitir uma ironia, uma brincadeira: Este capítulo é até agora o que mais me fascina...
Por uma razão simples: aqui a teoria vem de encontro a uma questão que há anos me inquieta. Quando penso no processo histórico da dessacralização (processo no qual o sagrado deu lugar à razão), inevitavelmente penso na manutenção política à energia que antes se destinava ao sagrado. Acredito que o sistema de articulação pensar-sentir (que talvez corresponda àquilo que Márcia cita como uma “lógica do olhar”), possa ter sofrido um desvio, um desvio de direção, mas não de natureza...  O que antes era reserva para o sentimento religioso, no sentido da glorificação pela admissão do “ser superior”, talvez possa ter cedido essa energia para o mesmo mecanismo onde, no lugar do divino e da magia, se posicionou o incrível. Assim, para posto do incrível foi sendo eleito aquilo que conseguisse garantir a permanência da reserva emocional que se legitima quando em proporção de massa.
Mas voltemos a Márcia Tiburi...   No método atual, no método técnico, essa manutenção do desejo (ou aquilo que chamei de energia), a televisão providencia o sentimento de verdade... O olho se prende à imagem proporcionada pela televisão porque ela lhe oferece a ideia do real na qualidade de um real desejado, logo, uma alucinação, no modo exposto por Freud em “Luto e Melancolia”.  Nesse trabalho Freud define a melancolia como uma perda parecida com o luto (absorção do Eu onde a perda é consciente), porém mais enigmática e inconsciente porque nela o Eu passa por um processo de empobrecimento e esvaziamento.  Portanto, eu diria que  Márcia nos informa o caráter patológico do ver-televisão. O olho deseja e busca algo que preencha o vazio do rosto, aquela cavidade onde ele, o olho,  deveria se instalar. Mas esse olho construído para ocupar um vazio, por ser um olho de vidro, artificial, requer uma imagem que também corresponda ao  real, porém um real construído, artificial, mais apropriado ao desejo de quem olha.  Lembrando Giorgio Agamben em “Homo Sacer, O Poder Soberano e a Vida Nua”, Márcia diz que “A atitude do telespectador diante dela (a televisão) – e sob seu regime – não poderia ser outra do que a do melancólico” (pg 97).
O fato é que essa alucinação televisiva consiste na relação do olhar com o visível. Mas essa relação ainda está, para mim, um pouco tumultuada. Espero que nas próximas páginas Márcia me esclareça algumas coisas, principalmente as coisas relacionadas ao sujeito e ao objeto dentro dessa relação. 

quinta-feira, 12 de julho de 2012

olho de vidro - parte III


                No capítulo Mirabilia, do livro “Olho de Vidro”, Márcia Tiburi nos conduz à reflexão da imagem enquanto fenômeno, aquilo como aparece a uma consciência. E que, nesse sentido, a imagem televisiva teria o caráter de fantasmagoria ou inconsciência. Se a consciência filosófica quer conhecer a imagem enquanto geradora de efeitos (o que lhe permitiria obter domínio sobre ela, tal como Perseu vence a Medusa fazendo-a ver sua própria imagem), a inconsciência televisiva faz-se condição para o que comporta o chamado regime dos sentidos. O foco seria a “relação que define uma potência da imagem entre a coisa vista e o visível” (pg 91) e na história do domínio da imagem vem cumprindo o papel de registrar – ou seria eleger - as imagens determinadas para atrair atenção. A televisão, portanto, surge como uma nova etapa dessa história que remonta às imagens expressas nas cavernas e atravessa a pintura, a fotografia, o cinema.
Logo, a política na qual a televisão está inserida não é recente, não é extraordinária, mas existe desde que existe o fascínio pela imagem. A televisão apenas abre uma etapa de superespecialização desse poder.
No próximo momento, mais notas sobre esse capítulo.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

olho de vidro - parte II

No capítulo “A Partilha do Visível”, também pertencente à parte OLHO do livro “Olho de Vidro”, Márcia Tiburi compara a ação da Televisão à instrução sexual... O “fazer ver” da televisão é como uma educação para a sexualidade. As condições estão postas: ver é tão natural quanto o desejo. Mas o olhar pode ser orientado por alguém fora de mim. O “ver-televisão” é uma prática orquestrada pelo modus operandi que cuida de anestesiar o sujeito... Assim estou interpretando as palavras de Márcia Tiburi nesse capítulo. “É que o ver-televisão é, em certo sentido, pré-linguístico como que lançamento no impensado, na imediatidade como espaço assegurado” (pg 81). Aqui MT nos leva, a meu ver, para um estágio em que o táctil compunha, junto com a visão, uma forma de conhecer, um estágio anterior à linguagem. A televisão se apossa dessa tática: investe na ausência de linguagem, à maneira da criança que ainda não sabe falar, para executar sua sedutora proposta de ver sem o compromisso de agir. Tal investimento consiste em construir imagens que estimulem um “excesso de certeza”. Enquanto olho as “certezas” oferecidas pela televisão, vou me esquivando de buscar outras certezas, por outras vias, sobretudo pelo pensamento. Gostei especialmente da relação que Márcia faz entre o olho, como parte do corpo, e a consciência: “Uma visão que implica o corpo humano na sua condição de vivente, seja o meu, seja o coletivo, o corpo feito de uma ordem visual à qual ele se submete como um escravo ao seu senhor” (pg 82). Assim, olhar é ação corpórea do pensamento. Quando olho, esse ver implica o pensar sobre o visto. A questão do olho de vidro é que ele é um não-ver. A imagem produzida, industrializada, pensada para atrair o olhar coletivo (sobre o termo coletivo, pretendo tratar em outro capítulo com mais cuidado), é uma imagem que se ocupa do não-ver. Na medida em que essa imagem é produzida para ser partilhada, ela oculta o que se poderia ver pela via do pensamento, já que a partilha envolve uma administração da histeria. Essa estratégia teria sido providenciada com certa colaboração da tradição do pensamento platônico que “fez do olhar algo incorpóreo”. É por meio dessa ausência de um olho no corpo pensante que a Televisão opera instalando, no buraco do rosto, um olho artificial e cego. Na próxima postagem, mais notas de interpretação desse livro obrigatório para todos.

sábado, 30 de junho de 2012

olho de vidro - parte I

Esta é a primeira postagem de algumas que pretendem falar do livro OLHO DE VIDRO - A TELEVISÃO E O ESTADO DE EXCEÇÃO DA IMAGEM, de Márcia Tiburi. Ed Record. 2011 O livro é dividido em três partes: OLHO, TELA e DISTÂNCIA. Estou na primeira parte. O que dizer sobre o olho?... Qual a história do olho?... MT nos diz: "Neta da fotografia, filha do cinema e do rádio, a televisão é, no sistema de administração do sensível, o mecanismo poderoso e até mesmo a lógica que comanda o mundo da experiência visual, definindo-a como televisual" (pg 66). MT propõe que a televisão seja compreendida como um mecanismo produtor do olhar, o mesmo mecanismo que tem a capacidade de organizar o poder. O poder da televisão reside na sua tarefa de copiar ou imitar o corpo. O olho de vidro portanto é a metáfora que Márcia usa para apresentar a televisão como prótese do olho humano. O olho de vidro opera politicamente na medida em que "define um determinado tipo de relação dos seres humanos com as imagens". A potência da imagem consiste na sua imitação, repetição, espelhamento, processo que substitui a visão pela prótese, o olho que apenas ocupa uma cavidade mas que não vê. Com isso, compreendi que o vidro tem a função de refletir o rosto-olho daquele que olha, oferecendo no entanto uma imagem construída, produzida, pensada por alguém que está atrás do vidro. Trata-se de controlar aquele que olha através do controle da imagem oferecida. Trata-se da produção de uma consciência... "Como telespectador, estou dentro daquilo que está fora de mim, e estou fora daquilo que está dentro de mim. Esta subjetividade não simplesmente alienada, mas devolvida a si na forma de uma alienação escamoteada, é a subjetividade do que, em nós, é o telespectador. O aparelho televisivo é o dispositivo que arranja esta subjetividade". (pg 76) A parte que trata do OLHO ainda tem muito mais pela frente. Mas quero terminar este primeiro momento lembrando minha avó, uma mulher que nunca teve televisão em casa. Lembro de um instante da minha infância em que minha avó nos fora visitar e, incomodada em ver a televisão ligada, disse em tom de autoridade, apesar da doçura: "televisão e mágica não deveriam existir; fazem uma coisa virar outra sem deixar a gente saber como é feito. Isso não é bom".

domingo, 24 de junho de 2012

Nas próximas postagens pretendo mostrar minhas impressões sobre o livro "Olho de Vidro", de Márcia Tiburi.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

conto: MENTA

 
  Era verão, embora a tarde não estivesse tão quente que não se pudesse suportar uma exposição de dez minutos ao sol. Mas enfim, estávamos há quase meia hora sob aquele sol brilhante, o que já começava a mudar nosso ânimo. A espera pela abertura dos portões imensos e cinzas do estádio, onde aconteceria o show, era quase um suplício... Ou, ao contrário, uma doce espera! Porque sabíamos que assim que aqueles monumentais portões se abrissem todos nós ganharíamos o campo e estaríamos prontos para um grande espetáculo.
 
   Eu estava ali sendo espremido, tocando e sendo tocado sem ter como evitar. Os meus pés procuravam dividir o espaço com tantos outros pés; às vezes eles perdiam o chão e depois de alguns segundos o reencontravam. Tentavam se firmar mas um leve movimento da massa os fazia perder o chão de novo. Um movimento mais brusco de algumas pessoas causava uma espécie de onda que nos embalava a todos; a todo instante balançávamos como se estivéssemos juntos numa embarcação. Éramos tão unidos que o sol parecia querer nos derreter para formar de nós uma massa compacta e depois moldar essa massa até dar a ela uma forma qualquer, porém uma única forma. Às vezes eu até me preparava para começar a fundir meu corpo aos dos outros. Só acordava do delírio quando alguém gritava “vai abrir” e todos gritavam qualquer coisa em seguida, como uma forma de tomar impulso para a correria que viria a seguir. Mas os portões impiedosos resistiam à nossa pressão ou se mantinham imóveis só para nos torturar. O problema é que, com a demora, o sol e a ansiedade, naturalmente fomos nos comprimindo mais e mais e mais enquanto aumentava a vontade de entrar. Os dedos dos meus pés lutaram várias vezes tentando alcançar o chão, mas a massa forçava tanto que cheguei a ser mantido suspenso por um bom tempo. O medo de perder o equilíbrio, e sofrer um acidente quando começasse a correria, me fez criar coragem de me agarrar ou apoiar com as mãos sobre ombros e cinturas alheias. E por que eu deveria evitar isso se estavam fazendo o mesmo comigo?

   Tudo parecia brincadeira de mal gosto dos organizadores: os portões não se abriam, os minutos se tornavam eternidade, as individualidades se condensavam. Já não se podia, caso alguém decidisse, sair dali e voltar para casa ou procurar uma sombra, pois a compressão imobilizava sobretudo os que estavam no centro da aglomeração. Quanto mais a pressão crescia, mais difícil ficava manter a consciência. Pensei que acabaria espirrado para cima ou esmagado como uma banana.

  Mas quando consegui me restabelecer, percebi que os sentidos saíam da anestesia e queriam captar tudo; e se, por um lado, a visão era comprometida pela luz forte do sol, por outro, o olfato compensava essa perda. Notei isto quando senti um hálito de menta invadindo meu ar. Eu estava absolutamente lançado em outra esfera, conduzido por um instinto talvez animal ou sobre-humano, mas com certeza resgatado do meu mundo. Naquele instante eu sabia que devia registrar na minha memória aquele cheiro como uma condição para a preservação daquele momento único, o momento em que eu era milhares de eus. A pastilha de menta não estava na boca de alguém próximo de mim mas sim dentro de mim, selando uma espécie de contrato que eu fizera com aqueles estranhos quando caminhamos todos para um mesmo espaço e nos submetemos ao mesmo domínio improvisado. A pastilha estava no universo.

   Aquele aroma de menta me mostrou o quanto eu era promíscuo e tendente ao bloco. Estávamos todos ali confundidos num sistema de corpos, sons, memórias de sons que queríamos escutar no palco. Memórias de corpos que em outros tempos foram confundidos em outras circunstâncias. Desejei então sentir na minha boca o gosto de menta que vinha de outra boca. Ou desejei firmar um elo com a boca que me transportava para o meu berço. Busquei a fonte do meu delírio e encontrei. O estranho ou a estranha que saboreava a pastilha atendeu ao meu desejo. O toque e a comunhão com aquela boca eliminaram qualquer dúvida que pudesse haver sobre meu poder de me propagar pelos séculos. Fui subtraído da civilização e da história da evolução da espécie humana para aquele beijo.

   Finalmente chegava o tão aguardado instante, não necessariamente de libertação, mas sobretudo de apreensão, pois um segundo de descontrole dos movimentos acarretaria um tombo. Despedi-me do estranho e flutuei por alguns metros até chegar aos guichês onde finalmente perdi o equilíbrio e caí. Vieram todos os outros eus e me pisotearam. Não senti dor; talvez tenha desmaiado. Acordei no hospital e percebi, portanto, que havia perdido o espetáculo.

terça-feira, 22 de maio de 2012

o novo livro

sexta-feira, 18 de maio de 2012

ESPECIAL [19/05] Sábado – Se Vira Ribeirão no Espaço A Coisa (Artes Visuais e Blues com Sarau Literário) No sábado, o Espaço A Coisa abre a suas portas para um dia de atividades gratuitas. O evento é parte integrante do “Se Vira Ribeirão”, a virada cultural realizada por artistas e produtores da cidade para suprir o cancelamento da Virada Cultural da cidade. A programação começa às 14h com a palestra sobre fotografia e intervenção urbana de Joyse Cury, professora do curso de Fotografia do Instituto A Coisa, e outros. Em seguida, atividades de oficina e intervenção com os artistas João Naccarato, Rui e Fábio Marquês, entre outros. Às 23h59 acontece a estreia da banda de blues “Pé no Saco”, dentro do projeto Madrugada Literária, que pretende realizar uma grande balada literária com muita música e poesia na madrugada ribeirãopretana. Além da declamação de textos pelos músicos, o público é convidado a ler poemas e a escrever textos com giz na parede do Espaço A Coisa, expandido a literatura para além dos livros, tornando-a viva na experiência de cada participante. A entrada para a estreia deste evento na Madrugada Literária será gratuita, dentro da programação do “Se Vira Ribeirão”. Espaço A Coisa (PROGRAMAÇÃO) Intervenções Urbanas Fotografia Photostorm – Mariana Simon sábado 14hs/16hs Palestra e ação Urbana – Joyce Cury e Emanuel Dlouhý 15hs duração indeterminada Vídeo Oficina e ação urbana – Marcos Amorim 16hs duração indeterminada Exibição de Curtas – a partir das 22hs – Ação coletiva – Seleção de Gabriela Hebling Pintura Bate papo e Intervenção Urbana– João Naccarato, Rui e Fábio Marques 14hs duração indeterminada! Intervenção Sensorial Água – Juliane e equipe 20hs Música – Blues com “pé no saco” – 00hs/3hs Madrugada Literária – 00hs – Declamação de textos e poemas pelos músicos e público que está convidado a escrever textos com giz na parede do Espaço A Coisa. Pirofagia – Rodrigo Villac e Marcelo Mamute – 00hs *** Madrugada Literária Na madrugada de sábado para domingo, banda de blues “Pé no Saco”que vai tocar sem couvert artístico a partir das 23h59 (entrada livre) PÉ NO SACO: “Blues e literatura. Projeções e embriaguês. Já dizia Vininha sobre os desencontros do tempo, dos percalços do caminho. Vamos de vagar e curtindo muito a viagem que a casa é nossa. Dia 19/05, sabadão, lá pra meia noite, vamos colocar o nosso blues canalha no Espaço a Coisa e misturá-lo às poesias da madrugada num copo bem grande. Tudo dentro da programação da virada cultural independente de Ribeirão Preto, o Se Vira Ribeirão. Vamos colocar umas poesias nas paredes, sinta-se livre pra tomar o microfone e gritar os versos, vai rolar também projeção de alguns longas como “HWY: An american pastoral”, do Jim Morrison, “Almoço nu” baseado na obra do William S. Burroughs e mais algumas imagens que surgirem no imaginário geral. A entrada é gratuita, preservando o ir e vir dos nossos colegas” Data e hora Dias 19 de maio, das 14h até as 3h da manhã do dia 20 de maio. Entrada Gratuita

domingo, 6 de maio de 2012

o Mal na sala de visitas de Goethe

Se Goethe contribuiu, no projeto do "Sturm und Drang", com a língua alemã, acabou também contribuindo para confortar o espírito alemão, ao transportar o Mal (do mito faustiano) para a ficção. Com "Fausto" (a primeira parte publicada em 1801 e a segunda, publicada em 1832), o gênio alemão de Goethe concede a Mefisto voz e pensamento. Mostra seu comportamento e os traços da sua personalidade. Subtrai, assim, a figura demoníaca do seu meio folclórico (a lenda do homem que vende a alma ao Demônio tinha ganhado expressão através das chamadas volksbuch) para elevá-lo ao campo da Arte, da representação.  

A obra de Goethe tem duas partes, mas a que se popularizou mesmo foi a primeira. Ali está o drama do médico Fausto que assina um contrato comprometendo sua alma após a morte, em troca de conhecimento. Ainda vivo, porém, ele conhece o amor de Margarida e se arrepende do contrato, pois sua amada pertence a outro plano espiritual. Margarida está no plano do divino, pertence ao discurso sacro, ao mundo da fé. Fausto, pelo contrato, já não pertence a esse mundo; mudou-se para o plano racional da vida, comunga com o conhecimento sem limites, as artes sem moral, os prazeres do saber e da estética.

Mas por ser sempre insaciado e inconformado, Fausto despreza as barreiras que o separam de Margarida e a seduz. O resultado da intransigência: sua amada perde sua aura, perde-se... cai em desgraça, morre.

Está feita aí, na perdição de Margarida, a reconciliação do homem com sua consciência de ser limitado; está restabelecida a ordem contaminada pelo Mal. Mas muitas perguntas ficam no ar: se Fausto amou e se sentiu merecedor de amor, então por que rompeu com o plano do amor divino, aqui compreendido como o amor que salva, que resgata, que converte, como era a figura de Margarida?... Diferente de Dante, na "Divina Comédia", o herói faustiano se vê promotor da morte, eliminador da esperança, inimigo da fé... Se em Dante sua amada Beatriz (a conversão) já está morta (no Paraíso), em Goethe, a esperança de salvação aparece primeiro em vida, vulnerável, à mercê da ação de Fausto... E é por estar viva que Margarida não consegue converter o amado, mas ao contrário, perde-se por causa dele. Assim, a vida é o palco do Mal, para Goethe. É aqui que o Mal se articula, rompe num disfarce da natureza, num mandacaru, num cachorro, em qualquer coisa que possa chamar a atenção de um homem desesperado. Lança suas artimanhas e corrompe o coração fragilizado pela dor e pelo ódio. Ganha a mente talentosa e inteligente, sedenta de saber e ávida por desvendar mistérios. É no corpo vivo que o Mal se encarrega de operar sua força.

Mas se o Mal opera na vida, por que Fausto conheceu o amor depois de se tornar meio-vida-meio-morto?

Ou... o que seria então o amor redentor de Margarida?... Para Fausto, seria ele a verdadeira maldição?...

Fui assistir à peça A INCRÍVEL HISTÓRIA DE BENEDICTO FAUSTO E DE SEU IRMÃO PERSIVALDO O SONHADOR. Trata-se de mais uma leitura do clássico alemão. Aqui, Fausto é um brasileiro do Nordeste, uma alma opressiva com o sofrimento do seu meio, de um lado, e com o desejo de ruptura, de outro. Sob domínio de Mefisto, o ambicioso poeta do nordeste segue para São Paulo em busca de dinheiro e de "tudo que o dinheiro pode comprar". Deixa para trás o conformado irmão Persivaldo, que acredita na água (que Deus há de mandar). A peça traça as duas histórias, o irmão que permanece no plano do sagrado (Persivaldo) e o que segue as diretrizes da Razão (Benedicto).

Já enriquecido com a ajuda de Mefisto, o irmão rebelde acaba descobrindo outros problemas: sua vida de rico empresário enfrenta o conflito de classes. Fausto, que conheceu a miséria e foi vítima de exploração no passado, agora tem que combater aqueles se sentem explorados por ele. Como Mefisto tem a missão servir  Fausto durante sua vida, ele promove uma festa para acalmar os ânimos do proletariado e transmitir a ideia de que Fausto é um bom patrão.   E eis que a festa (estratégia mefistofélica) acaba se tornando palco do encontro de Fausto com a operária Margarida. Os dois se apaixonam, claro!... Fausto, porém, finge: não deixa a moça saber que ele é seu patrão. Estamos diante de dois mundos opostos: burguesia versus proletariado, razão versus sagrado.

A Margarida desta versão segue a tradição goethiana: acaba morrendo depois de ganhar consciência de que fora enganada por Fausto.

O Mal opera na vida. Ele não deixa Margarida acreditar que Fausto a ama de verdade. Ela acredita na diversidade dos mundos. Ela acredita na enganação do Demônio.

E Fausto?... No que ele acredita?... Por conhecer o amor após o pacto, ele acredita que Margarida lhe é uma provação?... Um sinal de Deus (que ele desprezara)?...

Na peça acima citada, do dramaturgo Luciano Dami, o Fausto nordestino deseja se salvar voltando ao nordeste e à companhia do irmão Persivaldo. É o retorno às origens como tentativa de restauração e correção dos erros. Percebemos neste Fausto um inconsciente  impulso contra as forças que o motivaram a sair do Nordeste: a mulher do irmão - a Margarida nordestina - é a continuação da provação, do infortúnio, da queda... a queda que se dera com a morte da Margarida operária paulista. Não há salvação em vida quando se assina um contrato com o Mal: Benedicto Fausto se suicida. Na morte, sem as fragilidades da doença da alma, Fausto é julgado favoravelmente graças a um poema dedicado à sua amada, antes de conhecê-la. É nesse amor sem destinatário que a peça mostra ao espectador uma parte fundamental do complexo de Fausto: o homem capaz vender a alma ao demônio em troca de coisas mundanas é também um homem de alma não-mundana... Por isso Fausto nunca deixara de ser metafísico.

O Mal... que possibilitara todo o quadro da tragédia de Benedicto Fausto torna-se também um Mal em vias de reflexão, de análise, de exame contínuo. O Mal precisa nos responder porque possibilitou a Fausto seu encontro com Margarida.

peça:  A INCRÍVEL HISTÓRIA DE BENEDICTO FAUSTO E DE SE IRMÃO PERSIVALDO O SONHADOR

elenco:  ALUÍSIO GENTILINE, JONAS VILLAR, BRUNO IAGO,  FÁBIO BOTELHO, FRANCINE ASSAD, GRAZIELE AMBROSIO, NATÁLIA COUTINHO

dramaturgia: LUCIANO DAMI

direção: ALUISIO GENTILINE





quinta-feira, 3 de maio de 2012

O PERSONAGEM


Quando nasce um livro, as personagens, ou pelo menos seus protagonistas, já estão velhos. Assim eu percebo meus personagens. Porque eles nascem bem antes da história. Eles vagam por muito tempo no plano infinito antes de serem confrontados com o real.
                O que é o Real para um personagem fictício?... O real lhe chega como uma outra ficção, pois só assim essas duas entidades, personagem fictícia e realidade, conseguem se fundir.  Essa realidade disfarçada de ficção não teme qualquer ameaça. Ela é vigorosa porque é só ideia; não possui ação, não contempla reações, valor, juízo. Ela é uma foto do real mas não possui o estatuto da realidade.       Assim, o personagem fictício consegue se inserir nela e articular com suas forças... energia que vem do Real (consciência, valor, juízo, ação). 
                 Ao se encontrar num plano de possibilidade real, do limite, não mais do infinito, o personagem entra no processo de construção, de fato. Meus personagens são mais vivos e coerentes quanto mais viva e forte é a experiência real que os abraçou e os transportou para o enredo. Meus personagens fatalmente resistirão à escrita enquanto não houver uma harmonia nesse encontro, nessa junção.  Deve haver um mínimo de harmonia.
                Paradoxalmente, o personagem muitas vezes nascerá da própria negação do real e isto tornará sua construção ainda mais terrível. Contudo, ele buscará uma via de acesso enquanto vagar pelo campo da ideia. Ali ele mostrará várias faces mas estas raramente revelarão nitidamente sua essência. Mesmo antes de ganhar páginas, o personagem detém uma essência e ela só terá chance de se revelar com fidelidade quando se consumar a ficção/criação.  Nesse estágio, a ideia terá se materializado, a sustentação daquele coração fictício terá enfim uma chancela: a Forma.
                Palavra e Realidade são portanto as frentes de batalha em que o personagem de ficção travará sua luta por concretização, ora se entregando, ora resistindo. Ele se nutrirá da seiva do conhecimento da realidade. No ato da escrita, quando o real é disperso, nebuloso, maquiado, o personagem tende a recuar.  O conhecimento aqui significa a realidade vivenciada como confronto, mesmo no cotidiano. Ainda que esse confronto se dilua no tempo de vivência – o que amortece o poder de impacto da experiência vital – deve se abrir os olhos para o arrebatamento. Pois é através dele que o personagem fugirá da invenção para se tornar ficção.  

quinta-feira, 19 de abril de 2012

PREFÁCIO DO NOVO LIVRO A SER PUBLICADO EM BREVE

O PROJETO REVISTA MASCULINA

Em janeiro de 2002 escrevi um conto chamado “Revista Masculina”. Nesse texto, bastante longo para um conto, eu quis criar um personagem que trouxesse consigo um perfil ou algumas características do perfil que vinha sendo mostrado em revistas, sites e programas sobre comportamento, que tratavam do homem atual. Não são poucos os artigos, crônicas, reportagens que revelam os desafios, as insuficiências, os deslocamentos e a insegurança do homem do século XXI, seja em relação à nova mulher, seja em relação às novas exigências do mundo em transformação.
Esse era o projeto daquele texto primeiro. Mas, obviamente, para um tema dessa natureza não bastou um conto. Ao longo dos anos foram surgindo muitos textos inspirados na temática: o universo masculino nesse início de século. Até 2006 foram escritos: “Close UP”, “Encanto”, “A Agressão”, “Confronto”, “Laudo de Perícia Sobre o Sr Alceu Ferrero”, “Menta”, “O Ensaio na Casa Vizinha”, “O Baile Debutante”, “Amor Pensado”, “Longe do Teu Coração”, “Quick Motion”, “Beth e Fred”, “A Conexão”, “As Torres”, “Desafetos”, “Filhos de Caim”, “Joana D’Arc”, “Os Negociadores”, “Trilogia dos Enganos”, “Aparição”, “Close Up em Marcela”, “Entrevista de Um Ator Pornô para uma Revista Feminina”, “Fraudes e Delitos”, “Futebol”, “O Homem que Quis Ver o Pôr do Sol”, “O Aquário”, “Trilogia dos Cineastas Desamparados”, “Voo Rasante” e “Verônica Boêmia”. Todos permanecem inéditos, com exceção de “Beth e Fred” que foi publicado na antologia “Elo de Palavras” (Scortecci, 2008).
Entre 2007 e 2008 eu tentei organizar esse material. Ao me debruçar sobre ele para um julgamento crítico, deparei-me com alguns textos péssimos, outros razoáveis, alguns bons, muitos inacabados e algumas narrativas longas demais, além da diversidade de construção. Percebi, sobretudo, que o propósito da coletânea inicial estava sendo “invadido” por outros temas. Tratei de fazer divisões e definir o que realmente pertenceria à coletânea, que deveria se chamar “Revista Masculina”. Então, a seleção daquele momento ficou assim: “Close Up”, Close Up em Marcela”, “O Baile Debutante”, “Encanto”, “Futebol”, “Beth e Fred”, “Fraudes e Delitos”, “Aparição”, “O Homem que Quis Ver o Pôr do Sol”, “Longe do Teu Coração”, “Entrevista de Um Ator Pornô para uma Revista Feminina” e “Quick Motion”. Uniu-se à seleção, claro, o texto que deu origem ao projeto, “Revista Masculina”. Além desses, também foram incorporados à coletânea o conto “Incidente na Academia de Ginástica”, vindo de outra coletânea inédita, “Um Dossiê Médico”, e também “Dia Útil”, retirado da coletânea inédita homônima.
Ao descartar boa parte da coletânea original, acabei unindo alguns desses textos num novo conjunto. Surgia a coletânea “Filhos de Caim”. O mais interessante, ao fazer esse novo arranjo, foi perceber que a atmosfera dessa nova seleção tinha um gosto de “livro maldito”. Entre os malditos foram selecionados: “A Conexão”, “As Torres”, “Desafetos”, “Filhos de Caim”, “Joana D’Arc”, “Os Negociadores”, “Trilogia dos Enganos”, “Voo Rasante”, “A Agressão”, “Confronto”, “Laudo de Perícia Sobre o Sr Alceu Ferrero”, “Menta”, “O Ensaio na Casa Vizinha” e “Amor Pensado”. Mais tarde foi composto para essa coletânea o conto “Memórias de Uma Infância Oculta”.
Mas voltando à “Revista”, surge agora a vontade de publicar ao menos uma pequena parte daquela seleção de 2008. Fez-se assim mais uma seleção de textos, cujo subtítulo é “O Homem Exposto”. Para este primeiro volume de “Revista Masculina”, algumas narrativas sofreram pequenas alterações. O que se intitulava, originalmente, “Encanto”, foi rebatizado de “O Homem Encantado”. Já “Close Up” e “Close Up em Marcela”, tornaram-se apenas “Close Up”, pois o segundo título era apenas continuação do primeiro. Unem-se a elas: “Beth e Fred”, “Entrevista de Um Ator Pornô para uma Revista Feminina” e “Quick Motion”. De modo geral prefiro não nomear de Contos esta seleção, e sim apenas de Narrativas, visto que os recursos de linguagens usados em alguns textos vão além do tradicional Conto. “Quick Motion”, por exemplo, segue um formato de roteiro de televisão ou cinema, embora também não tenha a intenção de respeitar rigorosamente o padrão de roteiro. “Close Up” segue essa mesma linha; aqui o leitor é conduzido por uma câmera para observar o diálogo do casal Marcelo e Marcela. Em “O Homem Encantado”, o diálogo entre o Diretor e o Ator se faz sem a presença de um narrador. Aliás, o subtítulo “O Homem Exposto” decorre também dessa referência ao homem contemporâneo como objeto de observação de mídias, como a televisão e a revista.

terça-feira, 10 de abril de 2012

O TITANIC E O IMPERIALISMO

Quando menina, tive em mãos um livro de história que elencava, cronologicamente, os grandes fatos históricos, de maneira resumida, como uma sequência de flasches. Me chamou a atenção ver entre os fatos, normalmente de natureza política e econômica, um acidente marítimo. Dali em diante, tudo que dizia respeito ao naufrágio do Titanic me despertava interesse. Acho que eu esperava encontrar alguma relevância do acidente para a história geral, mais do que um fato importante apenas na história marítima.
Não devemos ignorar a repercussão mundial que o acidente ganhou, graças ao papel da imprensa na época, mas também podemos considerar que o naufrágio aconteceu no auge do chamado Imperialismo, o que nos remete a um momento de intensa animação capitalista. O imperialismo é marcado pelo domínio territorial de algumas nações, fortalecidas pela Revolução Industrial, e que buscavam novas fontes de matéria prima e mercado consumidor. Esse fenômeno, que percorre do final do século XIX a 1914, tem no Reino Unido seu maior exemplo de expansionismo. Seu domínio atinge a Índia, a África do Sul, a China... A Europa toda vive nesse espírito de fortalecimento político, conflitos de classes, competição desenfreada, expansão territorial e cultural, exploração de reservas naturais... O mundo vive as consequências do apogeu do capitalismo clássico (europeu). A Indústria desenvolve tecnologias num ritmo acelerado. A corrida armamentista transformou algumas nações imperialistas em potências bélicas, além de construir alianças entre elas.
É nesse cenário que é construído o transatlântico Titanic, pela White Star Line, do Reino Unido. Não há como não associar a tecnologia e o luxo do navio à prosperidade política e industrial, buscada na época com um empenho nunca visto.
O acidente, portanto, carrega uma marca, um tom, que nos liga àquele espírito de competição e turbulência. A ironia do acontecimento fica por conta dos primeiros registros da causa do naufrágio: um iceberg!... Como pode um mundo que aprendera a dominar a natureza para arrancar-lhe os recursos necessários aos seus projetos, ser surpreendido por essa mesma natureza e sofrer uma das maiores catástrofes até então?
Sem que haja nenhuma relação entre o acidente e a política, apenas dois anos depois do naufrágio do Titanic, a Europa inicia a Primeira Guerra Mundial, que ao longo dos quatro anos de duração mergulha o continente num dos mais trágicos feitos históricos. Como sabemos as nações mais poderosas do período, como o Império Britânico, saíram vencedoras da guerra. Mas a devastação e as crises subsequentes, de toda ordem, fizeram diminuir o ritmo daquela luta de titãs.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Convite da educadora Heloisa Martins Alves

2º Concurso Literário – Prosa e Poesia
Centro Cultural Palace, 04 de abril, quarta-feira, 19:30hs.
Realização: E. E. Otoniel Mota – 105 anos
Centro Cultural Palace – Academia Ribeirãopretana de Letras
AMEC (amigos, moradores e empresários do centro de Ribeirão Preto)
Tema: “O que te traria ao centro de Ribeirão Preto”
Coordenação Musical – Gustavo Molinari
Apresentação – Meire Teixeira

Abertura: Gustavo Molinari e Lívia Andreoni (aluna do 3º ano da E. E. Otoniel Mota)
Piano e violino – “Allegro” de Fiocco

Menção Honrosa prosa – Prof. Cícero Gomes da Silva
Lívia Andreoni – 3ºA – “Centro Cultural”
Menção Honrosa prosa – Mariângela Bistane Villas Boas
Marciele da Silva Maciel – 3ºE – “Vamos clamar a arte”
Menção Honrosa prosa – Maris Ester (Pres. Casa do Poeta e do Escritor de Rib. Preto)
Lucas Buosi – 3ºE – “Quando passado e presente encontraram-se para discutir a possibilidade de um futuro melhor”

Poesia e violino – Lívia e Vítor (alunos do 3º ano do Otoniel Mota) – Pablo Neruda
Canto e piano – Gustavo Molinari e Carol Strakovinch – “O mio babino caro”

Menção Honrosa poesia – Profa. Gertrudes Ferreira (Dirigente Regional de Ensino)
Ana Beatriz Cunha – 3ºF – “Onde me encontrar”
Menção Honrosa poesia – D. Dumara Jacintho
Dryelli Pena César – 3ºA – “É com esse calor pluricultural”
Menção Honrosa poesia – Marcos Ferreira
Júlia Machado Jorge Gomes – 3ºH – “Da minha cadeira eu vejo”

Piano – Rafael Gomes – Lecuona – Gitanerias
Prokofieff – Marcha

3º lugar prosa – Dinah Ataíde (ex-diretora)
Júlia C. L. Canal – 3ºF – “Histórias”
3º lugar poesia – Helena Siqueira (ex-diretora)
Francine Lazari Salomão – 2ºJ – “O centro de Ribeirão é cheio de emoção”
3º lugar poesia – Elisabete de Carvalho Spósito
Ana Clara Lima de Assis – 3ºC – “O que me levaria ao centro de Ribeirão?”

Voz e violão – Vítor Floriano

2º lugar prosa – Cristiane Bezerra
Ana Carolina Betarelo – 3ºE – “Naquela esquina”
2º lugar poesia – Eliane Ratier
Milca S. Galvão – 3ºA – “Centro, esconderijo da cultura”

Canto – dupla Melí e Meliê – professora Rosemary ao piano

1º lugar prosa – Débora Vendramini (Secretária da Educação)
Marina Sanches de Oliveira – 3ºA – “Andando nos paralelepípedos”
1º lugar poesia – Adriana Silva (Secretária da Cultura)
Angélica Myeko Kamada – 3ºA – “O que os olhos não veem o centro faz sentir”

Encerramento: duo piano e acordeon – Gustavo Molinari e Ed Lemos
“Zingaresca” de Pablo de Sarazate

quinta-feira, 29 de março de 2012

UM MUNDO MEFISTOFÉLICO

Assisti à peça “Infausto - no Meio do Redemoinho”. Antecipo que aqui não haverá uma crítica especializada, já que sou apenas espectadora, de passagem. Não sou crítica de teatro. Tampouco faço parte do público fiel de teatro.
Mas acredito conhecer um pouco sobre texto e o que vi no texto teatral de “Infausto”, a princípio, foi o desafio que encarei ao trabalhar com o mesmo tema, no romance: fazer referência a um poderoso mito que nasceu no século XVI. Ou seja, Fausto já nos acompanha desde que decidimos abandonar a fé para seguir pelo caminho da ciência. Isso o torna sempre muito atual. Um mito tão atual já recebeu muitas versões, já foi exposto de mil maneiras. Não dá para assistir mais uma versão sem se deixar levar pela tentação de comparar.
O Fausto do texto de Lucas Arantes começa seu drama dentro de uma granja. Fausto é um acadêmico que teve que deixar a Academia para conviver com galinhas. A fome de conhecimento é substituída pela atividade de engordar galinhas. Nessa frustrante condição, Fausto recebe a visita do Demônio, que demonstra conhecer profundamente o mundo acadêmico... logo, compreende o que Fausto necessita. Para um melhor entendimento entre ambos, segue-se uma refeição, uma ceia, graças ao sacrifício de uma das galinhas, entregue à mesa dos dois.
Entram em cena jovens universitários. É a juventude que Fausto deseja?... É isso que ele quer para ganhar tempo de compreender o que seu cansaço de velho já não permite compreender?... Sim, admite o velho Fausto. Porém, o que temos dessa juventude? Que mente descansada e criativa é essa que Fausto cobiça?
Não... Na visão do Demônio, seu contratante, não há um vigor intelectual nessa juventude do século XXI, não há vigor que seja digno de um Fausto, não neste século, quando a Ciência impera no universo, nas células, nos bits. Não... Contrariando o que foi prometido ao estudioso faustiano do século XVI, essa juventude revela-se desperdiçada e despedaçada em Massa. Os universitários de “Infausto” são os micos de um circo programado, mentes absorvidas pelo modismo, desejo coletivo de pular e macaquear, pulos que fazem barulho...
Mas para ganhar a alma de Fausto, o Demônio pode perfeitamente associar juventude à sede de saber, ao descanso, à disposição para o conhecimento... Contudo, sabemos que ele finge, ele engana. Assim, ele salta da mente científica do velho acadêmico para o corpo e desejo do jovem estudante. Nosso Demônio de Ribeirão Preto prepara seu pacto. Gera um novo Adão. Dá ao acadêmico o corpo de um jovem. Sacrifica esse jovem tal como acontecera à galinha que serviu para a ceia. Nesse corpo jovem, acostumado à macaquice da Massa, já não há espaço para o conhecimento e sim o doce prazer de cair na armadilha do desejo. Eis o plano do Mefisto de “Infausto”: o desejo do corpo assume o lugar da sede do conhecer. Fausto está perdido. Agraciado com o corpo jovem, fisicamente revigorado e intelectualmente passivo, o acadêmico tenta se salvar no amor. E nestes tempos, nada mais aconselhável do que estender a mão ao outro, como terapia, para ambos: quem estende a mão e que a segura. Surge Rosa (irmã gêmea de Margarida, de Goethe). A caridosa Rosa é a salvação de Fausto. Mas ela, tal como Margarida, não fora feita para Fausto porque pertence a Deus. Ainda assim, os dois se enlaçam. Cumpre-se o projeto demoníaco. Rosa é penalizada por amar Fausto.
O novo Adão percebe sua ruína e conhece o arrependimento. Mas se o Adão bíblico é expulso do paraíso por desobediência, o Adão-Fausto se culpa por corromper o paraíso. Não há expulsão, mas ele está condenado a arcar com as consequências da sua escolha.
A atualidade do mito de Fausto se consagra na insuficiência da razão humana diante da realidade marcada, a cada momento, por alguma frustração. Em tempos atuais, essa impotência ocasiona o resgate de sentimentos religiosos, crenças e esperanças em algo além da matéria, além do conhecimento palpável. Será isso que chamamos redenção?... Ou redenção é apenas o nome do disfarce da ilusão? Nada mais trágico... como o diabo gosta!


“Infausto – no meio do redemoinho”.
A estreia aconteceu dia 27 de março, na Praça Carlos Gomes, Ribeirão Preto

Direção: Dino Bernardi; Dramaturgia: Lucas Arantes; Assitência de Direção: Renata Torraca; Direção Musical: Francis Wiermann; Elenco: Fausto Ribeiro, Gabriel Galhardo, Márcio Bá, Monalisa Machado e Poliana Savegnago; Elenco convidado: Fernanda Soto, Matheus Savazzi e Vinícius Andrade; Músicos convidados: Claire Jezequel e Emanuel Dlouhy; Cenografia e Figurino: Dino Bernardi; Iluminação: Érico Daminelli; Preparação de Atores: Gustavo Sol;
“Projeto realizado com o apoio do Governo do Estado de São Paulo, Secretaria de Estado da Cultura – Programa de Ação Cultural – 2011”.

sexta-feira, 9 de março de 2012

O CONSTANTE SUSSURRO


Uma voz, um sopro, um incômodo constante. Essa cobrança que nunca se satisfaz; essa voz exigindo sempre mais, mais uma palavra, mais um título, mais um combate, mais um confronto... E a cada finalização a voz murmura que “ainda não é bem isso”.
Escrever é atender a esse eco maldito, insaciável. Atender a essa voz sem dono é conspirar contra os donos das horas. As horas perdidas com tão pouco fazer... são as horas que faltam para compor a forma do sentir, do pensar. É preciso recuperar o tempo e compor, moldar, registrar, organizar em palavras e frases o que a voz sem rosto exige.
Às vezes penso nos meus textos que deveriam ser abandonados sem acabar por serem obscuros mesmo para mim. Mas logo vem à minha frente algo que aponta uma pequena brecha de entendimento ou uma luz que revela, de relance, o que eu estaria perdendo se abandonasse aquele texto. Então volto a me concentrar nele. Dou-lhe mais uma chance de me ensinar o que há dentro de mim, por trás do que crio. Quem é Dani Scarpini? O que você quer de mim? Que maldição é essa? Por que esse jogo? Que você é um jogador eu já sei. O problema é que você mesmo não sabe disso. Cabe a mim lhe mostrar como jogar, com quem jogar...
Dani transporta uma visão política (que eu já nem sei se devo chamar assim: “política”) absolutamente obscura. Ele é capaz de mudar as coisas, conhece seu poder, à sua maneira... Porém, falta-lhe o método. Ou será que seu problema é justamente não querer conhecer o método?... Mas por quê?... Por que renunciar ao poder de mudar as coisas? Será medo? É por medo, Dani Scarpini? Mas como?!, se até o momento, concluída a primeira parte do Romance, Dani conseguiu enfrentar o medo de um desconhecido, e foi além, submetendo-se a outros desconhecidos, a outros desafios... Talvez tudo isso não tenha sido suficiente para ele crescer a ponto de assumir seu poder, o poder que lhe cabe por natureza... já que, aos olhos dos outros, não apresenta nenhum sinal de autoconfiança.
Os caminhos que me levam a Dani Scarpini são diferentes daqueles que me lavaram a Elídio Patrezzi. Ambos se parecem em algumas coisas, mas com Elídio eu sempre tive mais facilidade de lidar porque havia mais clareza no seu propósito. Criei-lhe uma teia de relações que funcionaram harmonicamente para compor sua evolução no enredo. Acho que obtive sucesso na conclusão de “A Performance”. O romance ficou leve, suportável... talvez com excesso de análises por parte de Elídio; mas até isso foi necessário para que ficasse clara a dimensão do seu choque com uma realidade que ele se esforçava para sufocar.
Recentemente nasceu Giogan. Não é o mesmo de “Poênia”, meu primeiro e tolo livro que fala de uma guerra civil fictícia. O Giogan de agora é outro. Como sempre tem algo parecido com os outros personagens meus. O que eles normalmente têm em comum? Um certo desdém com a própria vida, uma apatia crônica. Parece terrível fazê-los viver, caminhar, falar, agir... Mas se eu não cuido dessa gente...

Na foto, escultura de Auguste Rodin

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Escritores pela liberdade
28 de fevereiro de 2012 | 3h 07

JOAQUIM MARIA BOTELHO - O Estado de S.Paulo
Os tempos mudam, mudam as urgências. Qual a bandeira do escritor brasileiro nos tempos atuais, em que os inimigos estão ocultos sob nomenclaturas cheias de vaguidão, como "mercado", "urgências sociais" e outras? Mesmo sem vaca e sem bandeira, ó Neruda, e muitas vezes sem editora, o escritor continua sendo o sustentáculo de qualquer política cultural consistente, em qualquer país. Ele reflete, rememora, inaugura, antecipa, testemunha, sugere, incentiva. E debate. Foi o que fizemos, 600 de nós, durante o Congresso Brasileiro de Escritores de 2011, que foi realizado em Ribeirão Preto.


Debatendo durante quatro dias, nós nos dispusemos a cobrar dos poderes públicos a proteção, a defesa e o apoio à produção literária e a incentivar as famílias a intervirem no processo da formação de leitores. O manifesto que resultou do nosso congresso já foi encaminhado aos ministros Aloizio Mercadante, da Educação, e Ana de Hollanda, da Cultura. E, neste espaço com que o jornal O Estado de S. Paulo nos privilegia, queremos ampliar a divulgação das nossas decisões.

Nós, escritores, protestamos contra modalidades de censura ainda em vigor, como as restrições judiciais que impedem a circulação de biografias e outras pesquisas, a pretexto de defender sucessores ou pesquisados, porque representa evidente cerceamento à liberdade criadora do escritor e também limita o direito dos leitores de conhecerem mais opiniões acerca de determinada figura pública ou de certos acontecimentos.

Restrições dessa natureza resultam em prejuízo para a pluralidade de opiniões e levam à superficialidade do pensamento. Em suma, empobrecem a própria educação. Também por isso, entendemos ser prioridade a defesa intransigente da qualidade da educação no Brasil, esperando do Estado os investimentos necessários à qualificação e ao aprimoramento dos professores e à manutenção de escolas e equipamentos; em especial, que seja resgatado o ensino da literatura nas escolas, com atenção ao conteúdo e ao valor, tanto pedagógico quanto artístico, das obras adotadas para leitura e exame, com ênfase para a produção nacional, com critério, mas sem censura.

Sustentamos, como premissa, que o governo brasileiro implante e defenda política cultural nacional, equilibrada, justa, democrática e aberta, da qual o Estado participe como facilitador, e não como mentor, exigindo a defesa, o incentivo e a proteção de toda criação artística, pautada pelo respeito ao direito autoral, à liberdade de expressão, à busca de ampla divulgação e publicidade, em atendimento aos preceitos do desenvolvimento cultural de um país: educação, cidadania, democracia, igualdade, liberdade, diversidade, direitos humanos e preservação do acervo e do patrimônio cultural, estético, artístico e ecológico do País.

Não se chegará a isso sem a imprescindível ampliação dos programas em curso, especialmente de órgãos do Ministério da Cultura, para estimular a leitura e promover a difusão da literatura brasileira, assim enfrentando o dramático descompasso, em nosso país, de índices de leitura de livros e, correlatamente, do alarmante analfabetismo funcional.

Requeremos, igualmente, por parte dos órgãos públicos, consistência e regularidade nos programas de difusão da literatura brasileira no exterior, apoiando traduções de obras, mostras e apresentações de autores, a exemplo do que é feito, rotineiramente, pelos governos de outros países.

Esperamos esforços equivalentes das administrações estaduais e municipais, para que desenvolvam políticas culturais em consonância com esse esforço; especialmente, ao manterem e equiparem bibliotecas públicas e programas de promoção da literatura e incentivo à leitura, e pela boa divulgação da produção nacional em seus equipamentos culturais e meios de comunicação.

Repudiamos frontalmente programas de difusão de livros e incentivo à leitura, especialmente na área educacional, que exijam a renúncia a direitos autorais e de edição. Declaramos inadmissível qualquer equiparação da tradução literária ou qualquer escrita criativa à prestação de serviços, obliterando ou suprimindo direitos autorais. Exigimos transparência nas prestações de contas a autores por parte de editores e, por isso, propomos, como tópico da lei de direitos autorais ora em exame, a inserção de informe da tiragem pela gráfica nas edições em maior escala; e, naquelas em impressão digital ou nos livros por encomenda, que as editoras numerem cada exemplar. E, ainda, que em livros eletrônicos ou quaisquer edições no meio digital seja garantido ao autor o conhecimento a qualquer tempo da quantidade de exemplares adquiridos por esse meio; e, também, que seja assegurada, nas compras de grandes quantidades de livros por órgãos públicos, a comprovação pelo editor de que o titular de direitos autorais foi informado da compra.

Lutaremos pelo fim dos privilégios no fomento à produção artística; pela reestruturação do Fundo Nacional de Cultura, de modo que este receba recursos originados do Imposto de Renda devido pelas empresas, a serem destinados a projetos aprovados por um conselho de representantes da sociedade civil que analisarão projetos a serem financiados por leis de incentivos, assim retirando das empresas patrocinadoras o poder decisório sobre a destinação final de tais recursos.

Aproveitamos para confessar as nossas próprias faltas e prometer os nossos melhores esforços para que a literatura brasileira cumpra o seu papel social, que é o de registrar nossa identidade, perscrutar nossa alma, brasileira e universal, e dar voz ao sentimento do mundo. E assim contribuir para a História. Talvez não como queremos, mas como podemos.

*PRESIDENTE DA UNIÃO BRASILEIRA DE ESCRITORES (UBE)

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A FORMA INFINITA


na foto, "Estandarte", de Arthur Bispo do Rosário
Imaginemos o olhar da abelha operária e coloquemos nossos olhos nos olhos dela. Essa nova abelha, dotada de visão humana, terá que unir à força do instinto a sede da razão. Com esse acúmulo ela se cansará das milhares de flores e suas cores, cheiros e formas. A busca pelo néctar em certo momento irá se tornar uma tarefa árdua, contaminada por uma angústia que só pode ser humana. Pois aos olhos humanos não bastará identificar a flor; nessa viagem, nesse voo majestoso, o olhar humano exercitará também a contemplação. Assim, na tarefa que garante a preservação da sua espécie, essa abelha – humanizada – terá que fechar os olhos para a estética, para não se esgotar.
Deixemos pois a abelha em paz! Nada de olhos humanos sobre seu objeto-mundo.
Pensemos então em outro tipo de comunhão do homem com a natureza. Uma comunhão que considere apenas a contemplação. Aqui também há alguma razão para o olhar humano recorrer a essas formas e organizações. Natureza e estética são assim cúmplices perfeitas para o nosso deleite. Mas quando uma racionalidade industrial e uma conveniência cotidiana imperam, as formas e organizações são subjugadas e entregues ao desequilíbrio. Nesse caso, não há como não enfrentar o prejuízo para aquele humano que precisa contemplar. Dominar a natureza com o fim único da exploração é desarticular aquela comunhão. Onde só existe exploração desmedida a rosa não consegue encantar, não servirá de nada além do passageiro adorno para uma solenidade.
Nas artes somos convidados a exercitar o olhar para além da conveniência cotidiana. Elas vêm fazer parte da nossa comunhão com a natureza. Elas possuem uma função. Na Arte Contemporânea, onde o rigor da criação ultrapassa os limites da imagem real e natural, o observador-contemplador encontrará uma forma visceral lá onde viu a promessa de refúgio. Na provocação estabelecida por essa forma reside todo o conflito que expressa as possibilidades de um espírito atual. O que é esse espírito? Como o instinto se preserva nele? Já não basta copiar o que os olhos veem. Faz-se necessário então elaborar um acordo com o refúgio, compreender a intenção de verdade e a experiência que se escondem atrás daquela forma. A subjetividade, que determinou todas as opções do artista, vem aos olhos do observador provocar, se instalar como parte de um processo histórico e converter a interpretação em aliança com o artista. Agora é a obra que se assume como possibilidade de voo. Já não há mundo que possa ser negado pelo olho. Se para a abelha só interessa a flor, para o observador de arte haverá o desafio do infinito. E a forma exigirá a transgressão quanto maior for a resistência ao debate sobre o que envolve a criação e sempre que houver o risco de uma indiferença para com a natureza humana.
O estranhamento, que tantas vezes convence o observador a se afastar de uma obra de arte contemporânea, não pode ser banalizado. Esse estranhamento pode ser o reflexo de um estado, seja ele depreciativo, emancipador, estagnado, que ainda não está no todo assimilado. Estranhamos algo sempre que ele implica num confronto inevitável com nosso próprio interior. A Arte Contemporânea, antes de tudo, favorece a memória naquilo em que estimula a “comparação” com outros períodos. É também a convocação do suspense, a interrupção do tempo, a mobilização vaga pelo espaço, o resgate do instinto. A Arte Contemporânea exige que creditemos ao inconsciente a propriedade da memória, exige a abertura para o sentimento mais recôndito e para a magia do sonho. O estranhamento portanto deve ser o primeiro passo, a porta de entrada para o desafio do infinito. Deve reverter a situação de incômodo e resolver o impasse. Ficar imóvel diante de uma obra requer o reconhecimento de uma dignidade que hoje significa, inclusive, furtar-se de um cotidiano que não consegue oferecer mais do que o transitório. Por isso mesmo muitas vezes uma obra se configura no efêmero, de pouca duração e descomprometida com tudo que um dia inspirou o eterno. O registro contudo é necessário para que se preserve a lembrança da obra que um dia existiu. Pois o registro do observador no momento da exposição pode não durar mais do que o tempo de existência da obra. Por outro lado, essa mesma efemeridade pode estimular um registro que reflita sobre as circunstâncias dessa escolha, dessa ação, desse comportamento, enfim. Ver, observar, abrir-se à forma artística passa a ser então um movimento quase de tensão.
Tensão, estranhamento, deleite... A relação com a obra se cumpre finalmente. Formaliza-se enquanto busca, enquanto esperança na sensibilidade e não só no sensorial. Extraímos da forma o néctar, o substancial para seguir pelos dias.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

educadores - parte VII - MENALTON BRAFF



Professor Menalton Braff... educando para o hábito da leitura, seja em sala de aula, seja na TV, num bate papo ou em periódicos... de todas as maneiras...

domingo, 15 de janeiro de 2012

educadores - parte VI - A TELEVISÃO (VINHETA DA MTV)


Em tempo de férias escolares...

domingo, 8 de janeiro de 2012

educadores - parte V - A TELEVISÃO (LOST)


É tempo de férias. Não quero incomodar os professores com pedidos de material para meu blog. Prefiro usar esse período para mostrar que mesmo nas férias as crianças e os jovens podem aprender a gostar de ler e de escrever. Pois se trata de um tempo em que grande parte dos alunos acabam ficando em casa... e passam boa parte do dia diante da televisão.
Eu sei que os críticos já estão armados até os dentes contra qualquer defesa desta que é a mais odiosa e maldita instituição cultural do ocidente... este aparelho manipulador dos sentidos... ela... a tirânica Televisão.
Mas como eu mesma sou sua vítima (pois dediquei-lhe boa parte da minha infância e boas noites da minha adolescência), acredito que tenho o direito de julgá-la e até colaborar na sua estratégica manipulação cerebral, com frieza de neurocirurgiã.
Começo explicando que homenageio a Televisão porque foi ela que me iniciou na Literatura. Não, não houve nenhum programa educacional que me influenciasse nesse sentido, intencionalmente. Não... Na verdade a TV me direcionou à escrita, sem que houvesse qualquer plano ou estratégia para isso; foi quase acidentalmente. (ninguém é perfeito).
Ocorreu que eu, desde a infância até o fim da adolescência, gostava de assistir aos filmes de quinta categoria que a televisão apresentava. E de tanto assistir, descobri que gostaria de criar aqueles filmes. Foi assim que comecei a escrever: criando "roteiros" para meus filmes imaginários.
Meus primeiros textos eram portanto de natureza televisiva. Por isso guardo essa dívida com a endemoninhada!
Mas vamos ao objeto desse propósito: refleti sobre o que há de atual, na Televisão, que possa servir de exemplo para o estímulo à leitura. Bom, a primeira lembrança que me veio não é tão atual. O seriado americano, mundialmente famoso, LOST, já se encerrou (diga-se de passagem, com muita decepção para sua multidão de fãs). Mas talvez este seja um dos poucos momentos televisivos em que os fãs tiveram contato com uma bibliografia que tem na sua lista até Dostoiévski.
É engraçado que quando assisti LOST, desde a primeira temporada até o fim, enquanto via as muitas referências literárias, imaginava que elas pudessem ter algo a ver com o clima de mistério que cobria toda a história... a história dos sobreviventes de um acidente aéreo caídos numa ilha pra lá de esquisita.
Por fim cheguei à conclusão que as obras citadas não ofereciam nada (talvez) que pudesse servir de pista para desvendar os mistérios da história. Porém, foi muito legal ver toda aquela vitrine de livros e autores perambulando num espaço televisivo dedicado à massa. E é importante lembrar que LOST foi um fenômeno de sucesso nos países em que foi exibido.