Certa vez ouvi
uma lenda que dizia mais ou menos assim: nos tempos da dominação europeia sobre
os continentes americanos, após uma batalha onde uma tribo indígena tinha sido
dizimada, um jovem índio sobrevivente correu até outro sobrevivente, este bem
mais velho, e implorou com revolta: “vamos nos vingar, vamos nos vingar desses
europeus”. Mas o velho índio, que vinha observando de longe os costumes dos
dominadores, e percebendo que eles andavam experimentando alguns hábitos dos
próprios índios, respondeu: “não se preocupe, filho, nossa vingança já foi
consumada, sem que os europeus percebessem”
Segundo o
contador da lenda, o velho índio estava se referindo ao hábito de fumar, que
para as tribos tinha uma função ritualística, mas que para o homem branco viria
a se tornar um hábito mortal.
Assim como o
velho e sábio índio da lenda previa, pode-se dizer que o Ocidente todo se
tornou, não vítima mortal, mas refém da sedutora música negra, cujas matrizes vieram
nas mentes dos escravos africanos, nos
navios negreiros. Eis a vingança do negro escravizado!... Que atire a primeira
pedra quem nunca cambaleou diante de uma canção de Blues, sem imaginar a cena
de escravos negros cantando tristemente em meio às plantações do sul dos EUA...
Ou quem nunca parou para acompanhar um improviso de Jazz... Ou quem nunca cantou
junto com um roqueiro branco tentando imitar a voz rouca do negro... Ou quem nunca ameaçou fazer uns passinhos de
samba com aquela mesma entrega e leveza do corpo negro dançante... Ou quem
nunca se tornou fã de pelo menos um nome da nossa Bossa Nova...
A música
originária dos ritmos trazidos pelos escravos negros contagiou a música do
Ocidente de tal forma que não houve sequer um grande ídolo da nossa Música que não teve que beber da fonte
africana. Todos os deuses da Indústria fonográfica se
curvaram à música negra.
Indústria e
tradição... Tudo bem, há séculos a
Indústria dá o tom da conversa... mas a emoção não pode ser medida pela indústria,
por mais que ela tente. Há algo de fugidio naqueles corredores das plantações
do Mississipi... Há algo de enigmático nas frases de um jamaicano que olha as
ondas do mar... Há muito mais entre a silhueta da garota de Ipanema e o
movimento do barquinho a deslizar do que sonha nossa vã filosofia...