terça-feira, 19 de novembro de 2013

CONSCIÊNCIA NEGRA... E MUSICAL

Certa vez ouvi uma lenda que dizia mais ou menos assim: nos tempos da dominação europeia sobre os continentes americanos, após uma batalha onde uma tribo indígena tinha sido dizimada, um jovem índio sobrevivente correu até outro sobrevivente, este bem mais velho, e implorou com revolta: “vamos nos vingar, vamos nos vingar desses europeus”. Mas o velho índio, que vinha observando de longe os costumes dos dominadores, e percebendo que eles andavam experimentando alguns hábitos dos próprios índios, respondeu: “não se preocupe, filho, nossa vingança já foi consumada, sem que os europeus percebessem”
Segundo o contador da lenda, o velho índio estava se referindo ao hábito de fumar, que para as tribos tinha uma função ritualística, mas que para o homem branco viria a se tornar um hábito mortal.
Assim como o velho e sábio índio da lenda previa, pode-se dizer que o Ocidente todo se tornou, não vítima mortal, mas refém da sedutora música negra, cujas matrizes vieram nas mentes  dos escravos africanos, nos navios negreiros. Eis a vingança do negro escravizado!... Que atire a primeira pedra quem nunca cambaleou diante de uma canção de Blues, sem imaginar a cena de escravos negros cantando tristemente em meio às plantações do sul dos EUA... Ou quem nunca parou para acompanhar um improviso de Jazz... Ou quem nunca cantou junto com um roqueiro branco tentando imitar a voz rouca do negro...  Ou quem nunca ameaçou fazer uns passinhos de samba com aquela mesma entrega e leveza do corpo negro dançante... Ou quem nunca se tornou fã de pelo menos um nome da nossa Bossa Nova...
A música originária dos ritmos trazidos pelos escravos negros contagiou a música do Ocidente de tal forma que não houve sequer um grande ídolo da nossa  Música que não teve que beber da fonte africana.   Todos os deuses da Indústria fonográfica se curvaram à música negra.
Indústria e tradição...  Tudo bem, há séculos a Indústria dá o tom da conversa... mas a emoção não pode ser medida pela indústria, por mais que ela tente. Há algo de fugidio naqueles corredores das plantações do Mississipi... Há algo de enigmático nas frases de um jamaicano que olha as ondas do mar... Há muito mais entre a silhueta da garota de Ipanema e o movimento do barquinho a deslizar do que sonha nossa vã filosofia...

Não há capitalismo que dê conta dessa força da raça negra metaforizada na Música do Ocidente.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

COMO ESCREVER UM ROMANCE

Não existe fórmula. Depois de ler muitos romances, elencados como os maiores da literatura universal, a gente só tem que perceber o que faz deles tão bons.  Normalmente você vai encontrar exigências como, por exemplo, a singeleza, a captura da linha narrativa, o recorte do tempo e do espaço em que se passa a história, a discrição do discurso, ou a argumentação no caso do romance de ideias... tem também a linguagem, a sintaxe do autor... Bom, ao longo dos anos, esses são alguns pontos que tenho valorizado.

Não existe receita. Às vezes você sai de casa para ir à padaria e no meio do caminho uma cena qualquer faz brotar um pensamento na sua mente. Esse pensamento corre o risco de se conjugar com outras ideias que você traz e o resultado pode ser o desencadeamento de uma nova coisa que fica ali, batendo na sua cabeça até você parar e contemplar tudo, sem pressa. Dependendo da intensidade de emoção (ou ebulição), pode ocorrer de você ter sonhos estranhos à noite. Então você acordará e passará o dia todo com a sensação de que, se colocar algumas coisinhas num papel, vai se sentir melhor. É aí que você morde a isca jogada pelo Romance.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Ressaca pós escrita


Um período de insônia, um período de queda premeditada, um infinito em queda livre... Assim eu poderia, muito superficialmente, descrever como foi escrever FÓRUM VIRTUAL, minha primeira experiência baseada em fatos reais... história real e trágica... Foi como encarar de frente os meus distúrbios mais imprevisíveis. O ser humano é inatingível quando o escritor se atreve a falar do seu suicídio. Assim foi que meu protagonista manteve-se, da primeira à última linha do livro, absolutamente inatingível. Não programei esse feito, ele aconteceu naturalmente durante o processo da escrita. O protagonista está ali o tempo todo, exposto de todos os ângulos, mas o leitor não o alcança, assim como as dezenas de personagens a quem o caso é apresentado. Cheguei ao fim da narrativa com a mesma certeza do início: todo aquele universo, que remete à perplexidade, ao desespero, ao caos, fora criado para ser observado apenas através de uma tela de computador. Acho que meu livro conseguiu respeitar essa lei.

terça-feira, 9 de julho de 2013

CINCO MINUTOS

De 06 a 16 de junho aconteceu a 13a. Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto.
No estande de Autores Locais e Regionais foi criado um espaço para apresentações, palestras ou qualquer coisa que escritores locais quisessem fazer. Então me veio a ideia de realizar uma performance com base no meu livro ATO PENITENCIAL, que faz referência ao mito de Fausto. Como na Feira desta edição o país homenageado era a Alemanha eu vi a oportunidade de inventar alguma coisa sobre o ATO e sobre Fausto (de origem alemã). Minha apresentação foi marcada para 15/06.

Bom, criei uma personagem, imaginei um figurino e fui procurar algo parecido nas lojas; enquanto isso, escrevi o texto e ensaiei. Pelos cálculos a performance não duraria mais do que 5 minutos. (era o máximo que suportaria como centro das atenções, já que não sou atriz e tenho fobia de falar em público, mesmo estando entre amigos).

Foi por causa de um personagem que existiria  por apenas 5 minutos, que eu me sujeitei a perder 10 quilos. Comecei uma dieta no início de junho na vã esperança de perder todos esses quilos em poucos dias. Claro que não deu certo... mesmo eu publicando a dieta diária aqui no blog, como forma de me sentir vigiada...

De qualquer forma, realizei a apresentação. Não saiu nada, nada igual ao que eu havia ensaiado (sozinha). Mesmo que eu estivesse super magra e esbelta, o showzinho não valeria a pena.

Mas fiquei contente comigo, por vencer fobias, por deixar a literatura falar mais alto do que tudo.







quinta-feira, 9 de maio de 2013

sexta-feira, 5 de abril de 2013

O QUE ANDO ESCREVENDO...


Já tenho comentado com alguns amigos sobre meu novo livro (que talvez esteja na metade ou próximo do fim, não sei). Nas vezes que converso - verbalmente - sobre esse livro sinto um estranhamento porque, ao tentar explicar aos meus amigos como ele está sendo escrito, percebo uma dificuldade (ou resistência) em introduzi-lo na Literatura. Posso afirmar, com certeza, que se trata de uma ficção. Posso dizer que, de alguma forma, se trata de uma narrativa fictícia onde há personagens, um protagonista, espaço, tempo... Mas ao mesmo tempo estou lidando com personagens, espaço e tempo contemplados por um outro "mundo", por um outro plano, onde há contagem cronológica, mas não há espaço geométrico e onde os personagens já não atuam na "história". São meros espectadores. Eles podem apenas comentar sobre a história assistida, mas não possuem o poder da ação e portanto não podem interferir no que já está dado. Além disso, esses personagens-espectadores, na sua grande maioria, não são identificados um pelo outro. Os comentários que emitem podem ser compartilhados por todos mas apenas enquanto palavra escrita. Não há rostos, não há vozes, não se percebe a emoção na fala porque não há palavra falada. Em resumo, o livro tem como tema geral a Internet...

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

OLHO DE VIDRO - parte IX

Mais um capítulo de OLHO DE VIDRO, de Márcia Tiburi. Ela o intitulou de “Estado de Sítio ou Diante da Lei da Opacidade”.
Este capítulo é, talvez, aquele em que Márcia mais se aproxima de uma contextualização jurídica ou legal da Televisão. O termo “estado de exceção” (que faz parte do subtítulo do livro: “A televisão e o estado de exceção da imagem”), quer atribuir à imagem televisiva um papel análogo à fronteira entre política e direito. Esse termo trata do ponto de vista jurídico/político, trata da suspensão do vivente enquanto sujeito. Na verdade está-se fazendo uma comparação da Televisão com a ordem militar “O telespectador precisa ser pensado a partir da condição biopolítica que ocupa com seu corpo dócil diante do aparelho que cativa sua percepção” (pg 156). Márcia conduz a tese no sentido de que Televisão “decreta um estado de percepção a que convencionamos chamar de realidade”.  Aí está seu estatuto de coisa instaurada, admitida como ordem ou norma, enfim, como realidade: o poder místico da imagem.
Contudo, a autora admite que, apesar da interferência dessa potência da imagem sobre o sujeito, o olhar ainda mantém seus atributos que, em conexão à força do objeto, se constrói numa dialética onde “a televisão é o totalmente visto que jamais é realmente visto porque ela impossibilita que se veja” (pg 162). Nesse ponto Márcia nos conta que Giorgio Agamben foi quem percebeu a semelhança da lei no conto “Diante da Lei”, de Franz Kafka, com a função da Televisão, pois tal como no conto, a televisão não exige nada, não impõe nada, está simplesmente aberta; cabe ao telespectador (tal qual o camponês do conto) entrar e viver as consequências.  
Encerro este trecho fazendo uma observação sobre a analogia feita por Márcia neste capítulo. No conto “Diante da Lei”, de Kafka, todo o sabor pungente da narrativa está concentrado no diálogo entre o sentinela e o camponês, no qual o primeiro nega acesso ao segundo, que ao chegar diante da porta da lei pede autorização para entrar. A negação do sentinela se estende sem que se ofereça uma justificativa plausível para tal. A reação do camponês – fiel ao estilo kafkiano – é aguardar pacientemente por dias, meses, anos, apenas intervindo na autoridade do sentinela no sentido de conquistar sua licença para passar. Bom, seguindo a proposta de Márcia Tiburi, ou seja, colocando no lugar da Lei a tela da Televisão, me parece que a função do sentinela torna-se uma espécie de provocação: o telespectador (no papel do passivo camponês), ao pedir licença para entrar, encontra a negação do acesso como uma provocação ou estímulo do seu “desejo de realidade”. Tal desejo não se cumpre porque esbarra numa autoridade (o sentinela) mas se preserva e até se acentua, fazendo com que o telespectador/camponês se mantenha firme na espera. Mas... e essa espera... o que é?  Que construção na vivência pode ocorrer durante essa espera, o período de questionamento sobre a autoridade do obstáculo e a ansiedade pelo acesso? Em Televisão acho que esse processo não comporta uma visão tão simples como proposto por Márcia. A autoridade que bloqueia a passagem ou a adia para “mais tarde”, fazendo com que o solicitante permaneça diante da porta, me parece mais um agente do mundo externo do que propriamente do mundo interno (lei/televisão). Ele oferece a manutenção desse “lado de fora” na medida em que preserva o camponês/telespectador perto de si, numa posição submissa porém isento das consequências do que acontece no lado de dentro, ainda que – como se revela no final do conto – aquela abertura fosse destinada ao solicitante. Contra a realidade almejada pelo solicitante (o lado de dentro), o sentinela oferece uma outra realidade, pautada na obediência da espera pela licença. No contexto da lei, porém, podemos aceitar que o solicitante queira um direito, uma justiça, uma legitimação, um reconhecimento... No contexto da televisão, o solicitante deseja tudo isso mas como prótese. No primeiro caso a autoridade nunca poderá oferecer uma prótese da verdade, porque a lei está somente ali, por trás daquela porta; mas no caso da televisão, o solicitante poderá dispensar a prótese se a realidade do lado de fora se tornar admissível.