segunda-feira, 28 de março de 2016

PARA ALÉM DA CRISE POLÍTICA, O BRASIL PODE ESTAR SE LIVRANDO DO CAPITAL SUJO

Em agosto de 2013, a presidente Dilma Rousseff sancionou as leis 12.850 e 12.846. A primeira trata, entre outros pontos, de tornar mais clara e precisa a Colaboração Premiada, ou como já se tornou conhecida: a Delação Premiada, uma ferramenta importante de investigação, conforme temos visto na mega Operação Lava Jato, da Polícia Federal, pois a prática de delatar cúmplices garante o avanço degrau por degrau até chegar a altos escalões de organizações criminosas. Já a lei 12.846, também conhecida como Lei Anticorrupção, dá extensão ao braço da lei até as empresas envolvidas em corrupção. Antes, apenas as pessoas físicas eram processadas. Com a nova lei as empresas também sofrem as consequências das investigações.
Todo esse aparato tem surtido um efeito magnífico na danosa relação Capital-Estado no Brasil; magnífico porque finalmente estamos assistindo a punição atingir até os herdeiros de poderosas corporações, como a Odebrecht, por exemplo, que há décadas suga recursos públicos por meio de atividade ilícita, segundo o pesquisador Pedro Campos, autor do livro “Estranhas Catedrais – As Empreiteiras Brasileiras e a Ditadura Civil-Militar”. Temos aqui um exemplo vivo do poder da lei quando há disposição para aplicá-las. No caso presente, um juiz federal de primeira instância, Sérgio Moro, conduz o processo com mão de ferro. É verdade que há muita controvérsia envolvendo a neutralidade política do juiz, mas o fato é que as empresas envolvidas nos escandalosos esquemas de propina finalmente estão saindo da sombra da impunidade e podem perder seu confortável lugar de parasita do Estado.
Mas é possível que no calor da batalha que é mostrada pelas mídias tradicionais (imprensa) e pelas novas (redes sociais), aqueles que estão indo às ruas e culpando apenas governantes talvez não percebam a verdadeira extensão dessa batalha. O episódio da Lava Jato, aparentemente, está promovendo a discórdia entre brasileiros, ou entre pró e contra Governo, ou entre petistas e tucanos. Mas a grande mudança está na violenta luta que vem sendo travada contra o Capital sujo. Pois corrupção existe em todo lugar em qualquer tempo, mas no Brasil ela ganhou o status daquilo que o juiz Moro chama de corrupção sistêmica, onde os esquemas vão envolvendo quem chega ao poder, como se fosse um processo natural, como se o “toma lá, dá cá” fizesse parte da normalidade.
Pois bem, o Governo Federal sancionou as leis, o Judiciário está aplicando-as. Temos, portanto, o Estado em convulsão, tentando expelir de seu organismo um modelo esgotado de “parceria” com o Capital privado; sem dúvida é preciso mudar a conduta, livrar-se de práticas antigas. A crise política atual consiste não apenas na sede de alguns partidos de tomar o poder, mas sobretudo de preservar as velhas fórmulas de manutenção desse poder, ou seja, deixar tudo como sempre esteve. Mas não: as leis 12.846 e 12.850 fazem parte de um processo de mudança radical, a não ser que no desenrolar da crise, sob os novos ocupantes do poder, elas sejam revogadas.   
No fim das contas é possível que as instituições saiam debilitadas, pois um processo de impeachment é como uma fratura exposta. Mas, ao contrário do que ocorreu com o impeachment de Fernando Collor, agora há chance de uma mudança real, profunda, onde o Estado, superada a crise, possa fornecer a chance igualitária de concorrência entre empresas limpas; e onde o dinheiro público esteja sob vigilância de organismos mais severos de controle.

Tudo vai depender do que nossas entidades sócio-políticas estão aprendendo com tudo isso.  O que está em jogo é o perfil do próximo chefe do Executivo. 

domingo, 20 de março de 2016

SÉRGIO MORO E O "COMPLEXO DE NICHOLAS MARSHALL"


No início dos anos 90, se não me falha a memória, havia um seriado americano de televisão chamado no Brasil de “Justiça Final”. Nele o protagonista, juiz e ex policial Nicholas Marshall, era um homem frustrado com o sistema jurídico porque a tecnicidade da lei o impedia de “fazer justiça”. Ele fazia uma clara distinção entre servir ao Sistema e servir à Justiça. Para julgar seus réus segundo o que achava ser o melhor para a sociedade, à luz da Lei, mas driblando a burocracia, a corrupção e os vícios do sistema, Marshall adotava um procedimento: quando deixava seu gabinete ou tribunal, vestia-se formalmente com calça jeans e jaqueta de couro, cabelos despenteados, e saía para a rua. Frequentava os lugares mais perigosos da noite, os becos suspeitos e escuros, enfim, o ambiente onde seus perigosos investigados praticavam crimes. Como um simples cidadão ele podia se infiltrar no mundo do crime e resolver os casos à sua maneira.
            O juiz federal Sérgio Moro se parece muito com o modelo de magistrado dotado do “Complexo de Nicholas Marshall”, termo cunhado pelo jurista Alexandre Morais da Rosa para identificar o juiz que atua como um vingador social. Se bem que no caso de Moro poderíamos usar o termo vingador político. E não é difícil perceber a origem da sua frustração de juiz de gabinete: no Brasil, em especial, na nossa democracia, a relação Estado-Capital é muitas vezes cancerosa, nociva, sujeita à corrupção. Moro deve ter acompanhado o processo da Operação Satiagraha, da Polícia Federal (entre 2004 e 2008, aproximadamente) e o seu destino infeliz. Essa operação – que investigou ações ilícitas do empresário Daniel Dantas e de seu Banco Opportunity, desde o Governo FHC até o Governo Lula – ocasionou a exposição do Judiciário brasileiro como poucas vezes se viu: o conflito entre o juiz federal Fausto de Sanctis (que cuidava do caso) e o então presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, que de modo suspeito julgou a favor de Dantas e em prejuízo da Polícia Federal e do juiz Fausto de Sanctis, levando ao arquivamento das investigações e deixando no ar o fantasma da injustiça.
            Além disso, o próprio Moro já declarou que se inspirou na Operação Mãos Limpas, do judiciário da Itália, como seu método de fazer justiça. Assim como a operação italiana, a Operação Lava Jato convoca a máquina midiática para ganhar a atenção da opinião pública e deixar os envolvidos “em maus lençóis” publicamente. Assim ele espera encontrar atalhos no mecanismo de punição a criminosos dos altos escalões da política, de estatais e de grandes empresas privadas.
Contudo, é preciso lembrar que o juiz Marshall da ficção era um ex policial e portanto seu recurso (as ruas, a noite, os becos) não são totalmente estranhos a ele. Quando tira a toga e veste a calça jeans, ele sabe que está assumindo um outro lado que ele conhece bem. Mas no caso do nosso Marshall brasileiro, seu recurso para driblar o sistema é fazer uso da histeria da massa. Para obter sucesso na sua empreitada ele teria que ter domínio sobre esse universo. Do contrário, ao bater o martelo, ele pode até derrubar um Governo, mas não derrotará sua maior inimiga: a corrupção sistêmica.
Pela articulação de partidos e políticos em face de um possível impeachment da Presidente Dilma, se nota que estão sendo tomadas as providências em nome da tomada e manutenção do poder. Velhos jogos tendem a manter os mesmos jogadores. E aqueles que estão indo às ruas mostrar sua revolta com a corrupção tornam-se joguetes nas mãos desses políticos que, descaradamente, estão arrumando o terreno para tomar posse assim que ele estiver desocupado.

Joguete... É a isso que pode estar destinado o papel dos que pedem o fim da corrupção. As vítimas salvas pelo herói fictício Marshall estão longe de representar as vítimas da corrupção do herói Sérgio Moro, pois ele mesmo já se tornou vítima do seu próprio método. Quando as ratazanas de Brasília não precisarem mais dele, enterrarão seu nome como um traidor, charlatão ou qualquer coisa que seja desprezível aos olhos da massa.