quinta-feira, 21 de abril de 2011

FAUSTO: DESEJO E REBELIÃO

O mito de Fausto tem sua propagação iniciada pelos alemães em fins do século XVI, com o Faustbuch, de autor desconhecido. Depois o mito se expande por todo o ocidente. Ao longo dos tempos a história do homem que vende a alma ao demônio em troca de conhecimento ou outros favores mundanos, contagiou vários artistas. Na literatura a obra mais conhecida é o "Fausto", de Goethe (1749-1832), que consumiu boa parte da vida do escritor alemão. Mas há também "A História Trágica de Vida e Morte do Doutor Fausto", que o inglês Christofer Marlowe (1563-1593) escreveu em forma de peça teatral; da França Paul Valery (1871-1945) também se inspirou no mito. Thomas Mann (1875-1955), escritor alemão que se consagrou com o romance "A Montanha Mágica", também é autor de "Doutor Fausto". O dramaturgo irlandês Oscar Wilde (1854-1900) dedicou um romance ao mito, ao criar o curioso "O Retrato de Dorian Gray". A norte-americana Gertrud Stein (1874-1946) deu a Fausto o poder de gerar a luz elétrica. Aliás são muitos os poderes que os Faustos vêm desejando ao longo dos tempos: sabedoria absoluta, o amor da bela e jovem amada, o conhecimento além do que cabe a seu tempo, o poder médico da cura, a beleza total na música (Mann), a juventude eterna (Wilde).
Na língua portuguesa o mito de Fausto se expressa em Fernando Pessoa (1888-1935) com os fragmentos poéticos "Fausto: Tragédia Subjetiva", e em Guimarães Rosa (1908-1967), com "Grande Sertão: Veredas".
Nas artes plásticas, na música, no cinema, no teatro, Fausto está, há séculos, marcando presença. Mas por que esse mito, nascido na idade média, tem tanto poder?
O mito de Fausto representa o espírito de luta que"floresceu em um período histórico no qual a autoridade sufocou as aspirações do individualismo e da criatividade renascentista que instigavam ao conhecimento. Em conflito ideológico e político com as forças da Contra-Reforma, Fausto tem que ser punido" (Luci Collin).
Fausto é a rebelião contra o poder teocêntrico. É um Prometeus. É aquele que quer dar ao homem o que lhe foi negado na torre de Babel. Atingir o divino, ser conhecedor da verdade... eis o projeto de Fausto...
Como em seu corpo ainda pulsa o poder de Deus, ele busca consolo para sua frustração, conduzindo a força de seu desejo ao poder contrário ao de Deus: no Demônio. É assinando o pacto e comprometendo sua alma após a morte, que Fausto conclui seu projeto.
Fausto quer ser dono de tudo, mas não tem poder sobre seu desejo. Por isso seu destino corre o risco de ser a perdição, a danação. Indiferente ao preço a ser pago pelo que deseja, Fausto só pensa na ação. Já não lhe cabe ser objeto dos desígnios de Deus. Fausto quer ser o sujeito da sua ação, dominador do mundo, controlador da natureza. O homem iluminista declara-se dono da sua ação. Por meio da razão, ilustra seu ideal político. As artes, a ciência, a indústria, as relações sociais, o Estado agora são subordinados à potência humana, demasiadamente humana.
O projeto da rebelião fáustica, contudo, não tem controle sobre sua força. Goethe percebe esse descontrole enquanto acompanha a revolução francesa e seu desenlace. Por isso seu Fausto torna-se registro, não só do Romantismo europeu, mas do momento de definição da ação do homem moderno.
A ação fáustica caracteriza-se por essa consciência de sujeito. As consequências dessa ação é o que definirá o futuro, a vida, os rumos do mundo. Por isso o mito acompanha todo desenvolvimento da nova mentalidade moderna. Cabe-lhe vigiar a ação histórica, cabe-lhe assumir o papel que Deus desempenhava, na idade média, como determinador da história.
Mas eis que a história se mostra assustadora. Fausto se vê belicoso, muitas vezes intolerante, e sobretudo, irado. O século XX assiste a duas guerras mundiais. O planeta se divide em dois modelos de solução político-social: entramos na Guerra Fria. Fausto reconhece seus ganhos, seus avanços tecnológicos, suas evoluções, mas ainda sofre com a impotência. Afinal de contas, nesse período de luta rumo ao lugar de deus, viu surgir a Psicanálise. E com ela percebeu que a ação, a tão preciosa ação, vem sendo executada com a contribuição do inconsciente, o mal que opera em nosso espírito e que compromete nosso tão desejado controle.
Chegamos ao século XXI. O cenário é de revitalização da democracia: as nações do leste europeu decretaram o declínio de suas ditaduras comunistas. Na América Latina os povos já celebraram o fim das ditaduras militares. Os cidadãos têm em suas mãos o poder de definir o que virá, à medida que escolhem seus representantes nos governos. Além disso, a tecnologia desenvolve máquinas, e sistemas de linguagem para essas máquinas, que possibilitam quebras de barreiras de comunicação internacional.
É o triunfo da ação das coletividades...
Fausto, o dono da História, tem em suas mãos o mundo. Contudo, ainda é subordinado do desejo. A rebelião ainda está em pleno empreendimento.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

"O cérebro é um repolho"


"O cérebro é um repolho" é o título de uma instalação do artista Alex dos Santos (ao lado), de Jaboticabal-SP. O olhar irônico da obra nos cativa pelo humor quase infantil que anuncia, na verdade, um panorama que beira ao cruel: a brincadeira com as formas (no caso, o repolho e o cérebro), mais a disposição empilhada de caixotes de feira, transgridem toda e qualquer proposta de equilíbrio.

É uma pena eu não conseguir fotos do trabalho. De qualquer modo, essa obra me vem à lembrança por causa de uma palestra no Museu de Arte de Ribeirão Preto (MARP), onde a pesquisadora Maria de Lourdes Figueiredo apresentou um resumo da sua monografia sobre Alex dos Santos e sua obra, que inclui instalações e pintura.

Foi bom conhecer melhor, ainda que só por fotos, a visão do jovem artista autodidata, que tem conseguido, ao que parece, um bom desempenho dentro do circuito regional de arte. Trata-se de uma visão muito particular sobre temas que estão na pauta de qualquer artista aclamado por público e crítica. O que caracteriza alguns trabalhos de Alex é a deterioração moral do homem, representada pela ação vitoriosa de animais. E também uma dramática insistência em misturar palavras com imagens, frases que devem esclarecer aquilo que o artista teme não conseguir transmitir só pela pintura. A insegurança na própria expressão pictórica torna-se, assim, objeto declarado da sua busca: a urgência do discurso, a urgência em entregar ao olhar alheio aquilo que o artista vê e sente. Nesse ponto Alex contraria a tese que tenta classificá-lo como ingênuo. Não, ele não é ingênuo, é excêntrico como qualquer artista tem o direito de ser. Ele não recua diante de tentativas de quem quer estereotipá-lo, ao contrário, faz desse julgamento uma razão a mais para sua urgência: afirmar o que nem todos estão prontos para receber. Entre as pessoas cultas, quem está disposto a reconhecer uma degradação social e cultural tão forte, capaz de fomentar distúrbios de todo tipo?

É contra esse descuido, esse exame apressado, e sobretudo contra a indisposição da sociedade brasileira de reconhecer suas doenças, que Alex dos Santos faz correr sua matraca pela tela, antes que algum Dr Simão Bacamarte o prenda na Casa Verde.