segunda-feira, 26 de abril de 2010

deslocamento

Diário de Estefânio Marchezini

25 de julho de 2005

A ebulição de perguntas que nem chegam a ser formuladas direito consomem minha capacidade de demonstrar bom humor. Assim, me torno um ser rude, envelhecido, indisposto. Isso talvez explique porque meus colegas se afastam de mim. Se por um lado colaboro para a paz dos adultos que me cercam, ao me calar diante da tal ebulição, por outro lado eu afugento os outros jovens pois entre eles é mais difícil disfarçar os medos que teimam em me atormentar. Essa dificuldade consiste justamente no fato de eu esperar que entre nós, jovens da mesma faixa de idade, poderíamos compartilhar esse tumulto; o problema é que até para isso, ao que parece, foram estabelecidos alguns regulamentos e eu não consigo localizá-los... ou eles não querem me localizar. De modo que fico suspenso: para os adultos, estou entre os jovens; para os jovens, estou perdido.

sábado, 10 de abril de 2010

uma pausa na história de Estefânio, para eu falar de outros romances que estão em andamento

A POLÍTICA SEGUNDO DANI SCARPINI
O grande conflito que move o enredo é o abalo de Dani Scarpini depois do fim de uma relação amorosa breve mas intensa. Enquanto tenta se desvencilhar de tal sofrimento, Dani vive um cotidiano sem grandes emoções: ganha a vida trabalhando numa imobiliária e à noite, depois do expediente, visita um bar onde faz amizades e procura alguém que substitua o amor perdido.
Em casa, Dani vive, não numa família nuclear, mas num clã. A propriedade dos Scarpini abriga tanto a casa onde Dani mora com a mãe como outras três casas de irmãos de seu falecido pai. Essa família, descendente de italianos (como muitas famílias de Bonfim Paulista), é formada por pessoas excêntricas e um tanto quanto exóticas, herdeiros de empreendimentos decadentes. Essas pessoas são fortemente marcadas por traços de tradições diversas: ruralista, benzedeira, circense; além de incluir parentes “positivistas”, aqueles que lutam para livrar as novas gerações dos entraves do passado (tradições e excentricidades que comprometeram a prosperidade da família) e que procuram orientar esses novos Scarpini no rumo de uma vida mais racional, sóbria e empreendedora.
Enquanto assiste à luta familiar entre loucos e positivistas, Dani acompanha uma trajetória eleitoral onde sua mãe e outros parentes, por serem populares no distrito de Bonfim Paulista, são convidados a participar da campanha de um partido nas eleições municipais de 2008. Dani condena tal envolvimento porque percebe que a mãe está sendo usada. Mas não consegue se fazer escutar e nem diminuir o entusiasmo dentro do clã em relação às promessas dos candidatos e do ambiente político eleitoral.
Enquanto isso, no ambiente noturno do bar, os namoros, as amizades, a sedução e a boemia, são para Dani ingredientes de outra luta, uma luta discreta onde estão envolvidos valores, discursos, maneiras, costumes, domínios diversos, preconceitos, estética, competições, obsessões, desilusões.
Toda essa variedade de lutas vai construindo a concepção de poder de Dani Scarpini.

PUNHO DE AÇO
Téo mora de favor numa casa paroquial. Por ela passam vários hóspedes que Téo recebe sem problemas.
Mas um dia a casa recebe a figura de um homem, um enfermeiro, que transformará a vida de Téo num inferno. Esse homem, que a princípio é recebido como uma graça, com o tempo passa a exercer sobre Téo uma estranha força: sem nenhum propósito muito claro para Téo, o enfermeiro passa assediá-lo de maneira implacável. Sempre que tem oportunidade e sob diversas formas faz referências à condição de Téo como beneficiário da igreja, como que zombando de sua natureza passiva, dependente e até certo ponto, anulada.

Estefânio assume sua irremediável desconfiança

Diário de Estefânio Marchezini

23 de julho de 2005

Percebo que há alguns valores recentes que ganharam terreno expressivo nos últimos anos, ao menos naqueles em que comecei a observar o mundo com mais cuidado e desconfiança, atento inclusive para elementos que eu não reconhecia antes desse período. E nesse ponto, encontramos uma contradição em relação à visão que se cultua hoje sobre a minha geração: o individualismo, um dos produtos mais bem acabados que a era da Internet criou, é também um risco para a cultura da patrulha invisível pró-bem-estar-e-segurança. Pois é justamente aí que encontro alguns dos meus pontos de fuga quando não suporto mais fugir na representação. No entanto, obcecado por essa contradição, acabo fazendo do que seria um alívio, mais um motivo para a desconfiança e a hesitação.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

A geração de Estefânio, segundo ele mesmo

Diário de Estefânio Marchezini

22 de julho de 2005

Talvez esteja por vir o dia em que essa visão, esse olhar da sociedade sobre nós, mude. Mas considerando até as minhas observações mais otimistas, que não são muitas, não acredito que isso venha logo. Talvez seja necessário aguardar até que essa nossa geração assuma o comando do mundo para ver no que vai dar e aí ela mesma, já adulta, julgue a educação recebida. Imagino que tenha acontecido assim nas últimas gerações quando a juventude fez algumas conquistas. Alguns elementos cultivados pela geração de meus pais e avós já não se mostram mais tão adequados à minha. Eles mesmos enquanto jovens cuidaram do cultivo e agora amaldiçoam os consumidores; mantêm os filhos e netos superprotegidos contra as tentações às quais muitos deles não resistiram.
Assim é. Pelo menos é nesses aspectos da minha sociedade que eu volto a atenção. Mas não para condená-la ou exigir coisa alguma, mesmo porque eu não sou o senhor dos meus olhos ou ainda não tenho maturidade para responder definitivamente por este olhar. Ciente disso, tento seguir meus colegas na sua alegre tranquilidade e esperar que eu aprenda a dar tempo ao tempo até que as próprias circunstâncias façam o mundo pesar sobre meus ombros de acordo com o expediente para a qual há toda uma programação bem elaborada. Mas... eu não consigo fechar os olhos para a realidade da fortaleza que constróem constantemente a cada passo que damos. Minha curiosidade vai além do que estou permitido a ver; quero saber as razões de muralhas tão altas, quero entender o que faz meus pais, professores, médicos, inspetores de alunos, guardas de trânsito tão obsessivamente preocupados conosco. E é por isso que comparo gerações anteriores com a minha. Não para julgar ninguém mas para me precaver com relação à geração dos meus futuros filhos.
Se a questão fosse só a segurança, a integridade física, a saúde, não haveria motivo para tanto desgaste. Eu percebo que é mais do que isso. Sob o pretexto da proteção, a sociedade construiu um baluarte formado de produtos de toda espécie, estereótipos e todo um arsenal de símbolos que permitem a ela detectar o mais discreto desvio do que se estabeleceu como ideal. De certa forma esses instrumentos tornam mais fácil a vigilância que, apesar de necessária, é difícil quando há tanto o que se fazer hoje em dia para se sustentar essa própria realidade. A propósito, o que chamo aqui de realidade, certamente ganhará, algum dia, algumas páginas deste diário pois ela é um dos assuntos mais atraentes para mentes perturbadas como a minha.