sexta-feira, 19 de agosto de 2011

as estratégias de um Fausto

O Fausto de ATO PENITENCIAL, muitas vezes, é visto por mim quase como uma contradição do Fausto tradicional. Mas isto deve ter a ver com a sua configuração pós-psicanálise. Acho.
Vejamos seu conflito original... Fausto introjeta o objeto perdido (pai) para o seu EU. Se considerarmos que Fausto sofre de uma melancolia por essa perda e considerando a definição freudiana de melancolia, posso sugerir que Fausto se refugiou no sacerdócio como uma maneira de interiorizar aquilo que ele perdeu junto com o pai, ou seja, a santidade. Devido ao fato do pai sacrificar sua própria vida para salvar a vida do filho, Fausto o toma por santo. Além disso, o luto da mãe pela morte do marido parece induzir Fausto a encarar essa mãe de uma maneira diferente do que ela era antes: com a perda do pai de Fausto, essa mãe se mostra amedrontada em relação ao filho e ao futuro dele. Para Fausto essa mãe passa a temê-lo ao invés de amá-lo. Fausto assim precisa recuperar o amor, livrando-se do que o torna temível e ameaçador.
Em resumo, o que torna meu Fausto menos distante da composição do mito, talvez seja a sua atitude adâmica de romper o trato da não-ciência, ou seja, no momento em que ele desobedece o pai (que lhe pede para se calar, diante de uma situação de perigo). Essa desobediência adâmica é a reveladora, acho, do espírito faustiano que já havia no menino. Contudo, a consequência da desobediência é a expulsão do paraíso: a perda da proteção paterna. Fausto passa do papel de protegido para o papel de preocupação, insegurança (da mãe). A mãe passa a temer pelo destino do filho, o que dá a Fausto a ideia de que - para a mãe - a mesma violência/inferno que eliminou seu marido também pode corromper o filho. Faz-se assim o pacto entre a mãe e a Igreja, na luta pela salvação de Fausto, que admite esse projeto enquanto autopunição, masoquismo. Será?
Logo, Fausto está - desde a revelação da sua essência - envolvido num processo de salvação. E ao ganhar consciência desse processo (um projeto alheio a si), é que se rebela por saber que lhe fora sabotado o poder de ação. É por não ter domínio absoluto sobre sua natureza (e sobre o insconsciente) que Fausto se sente privado da ação. A coragem de falar e agir fora-lhe tirada. Daí portanto, a sua necessidade de "repetir" uma doutrina, uma palavra "pronta", a Palavra de Deus. A sua desobediência adâmica consistiu justamente na insistência em falar, em querer argumentar.

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