No
início dos anos 90, se não me falha a memória, havia um seriado americano de
televisão chamado no Brasil de “Justiça Final”. Nele o protagonista, juiz e ex policial
Nicholas Marshall, era um homem frustrado com o sistema jurídico porque a
tecnicidade da lei o impedia de “fazer justiça”. Ele fazia uma clara distinção
entre servir ao Sistema e servir à Justiça. Para julgar seus réus segundo o que
achava ser o melhor para a sociedade, à luz da Lei, mas driblando a burocracia,
a corrupção e os vícios do sistema, Marshall adotava um procedimento: quando
deixava seu gabinete ou tribunal, vestia-se formalmente com calça jeans e
jaqueta de couro, cabelos despenteados, e saía para a rua. Frequentava os
lugares mais perigosos da noite, os becos suspeitos e escuros, enfim, o
ambiente onde seus perigosos investigados praticavam crimes. Como um simples
cidadão ele podia se infiltrar no mundo do crime e resolver os casos à sua
maneira.
O juiz federal Sérgio Moro se parece
muito com o modelo de magistrado dotado do “Complexo de Nicholas Marshall”,
termo cunhado pelo jurista Alexandre Morais da Rosa para identificar o juiz que
atua como um vingador social. Se bem que no caso de Moro poderíamos usar o
termo vingador político. E não é difícil perceber a origem da sua frustração de
juiz de gabinete: no Brasil, em especial, na nossa democracia, a relação
Estado-Capital é muitas vezes cancerosa, nociva, sujeita à corrupção. Moro deve
ter acompanhado o processo da Operação Satiagraha, da Polícia Federal (entre
2004 e 2008, aproximadamente) e o seu destino infeliz. Essa operação – que
investigou ações ilícitas do empresário Daniel Dantas e de seu Banco
Opportunity, desde o Governo FHC até o Governo Lula – ocasionou a exposição do
Judiciário brasileiro como poucas vezes se viu: o conflito entre o juiz federal
Fausto de Sanctis (que cuidava do caso) e o então presidente do Supremo Tribunal
Federal, Gilmar Mendes, que de modo suspeito julgou a favor de Dantas e em
prejuízo da Polícia Federal e do juiz Fausto de Sanctis, levando ao
arquivamento das investigações e deixando no ar o fantasma da injustiça.
Além disso, o próprio Moro já
declarou que se inspirou na Operação Mãos Limpas, do judiciário da Itália, como
seu método de fazer justiça. Assim como a operação italiana, a Operação Lava
Jato convoca a máquina midiática para ganhar a atenção da opinião pública e
deixar os envolvidos “em maus lençóis” publicamente. Assim ele espera encontrar
atalhos no mecanismo de punição a criminosos dos altos escalões da política, de
estatais e de grandes empresas privadas.
Contudo, é preciso lembrar que o juiz
Marshall da ficção era um ex policial e portanto seu recurso (as ruas, a noite,
os becos) não são totalmente estranhos a ele. Quando tira a toga e veste a
calça jeans, ele sabe que está assumindo um outro lado que ele conhece bem. Mas
no caso do nosso Marshall brasileiro, seu recurso para driblar o sistema é
fazer uso da histeria da massa. Para obter sucesso na sua empreitada ele teria
que ter domínio sobre esse universo. Do contrário, ao bater o martelo, ele pode
até derrubar um Governo, mas não derrotará sua maior inimiga: a corrupção
sistêmica.
Pela articulação de partidos e políticos em
face de um possível impeachment da Presidente Dilma, se nota que estão sendo
tomadas as providências em nome da tomada e manutenção do poder. Velhos jogos
tendem a manter os mesmos jogadores. E aqueles que estão indo às ruas mostrar
sua revolta com a corrupção tornam-se joguetes nas mãos desses políticos que,
descaradamente, estão arrumando o terreno para tomar posse assim que ele
estiver desocupado.
Joguete... É a isso que pode estar destinado
o papel dos que pedem o fim da corrupção. As vítimas salvas pelo herói fictício
Marshall estão longe de representar as vítimas da corrupção do herói Sérgio Moro,
pois ele mesmo já se tornou vítima do seu próprio método. Quando as ratazanas de
Brasília não precisarem mais dele, enterrarão seu nome como um traidor,
charlatão ou qualquer coisa que seja desprezível aos olhos da massa.
Lembro bem do Juiz Marshall, e sua comparação foi muito apropriada, assim como o desfecho infeliz que você prevê para o Juiz Moro. O Juiz Marshall lutava contra um sistema jurídico técnico que, embora moroso pretendia chegar a um final justo, enquanto o Juiz Moro luta contra um sistema político desvirtuado, um Congresso pervertido, uma mídia tendenciosa e um povo burro e tão corrupto quanto os próprios políticos que ele elege.
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