quarta-feira, 11 de agosto de 2010

para onde explodir?

Diário de Estefânio Marchezini

05 de agosto de 2005

Outro dia cheguei atrasado à primeira aula. Era aula de português. Valéria, a professora recém-contratada, vem fazendo um malabarismo sem fim para se adaptar ao novo trabalho. Acho que ela é recém-formada, pois se fosse mais experiente não deixaria tanta insegurança à vista.
No momento em que eu cheguei, Valéria devia estar metida em mais uma luta contra a própria fragilidade pois ela elevava a voz tentando conter a farra dos alunos, coisa normal quando eles percebem a insegurança do professor. Ao perceber minha presença e diante do meu pedido de desculpa pelo atraso, Valéria aproveitou para me envolver na sua luta e me expôs para a classe como se assim quisesse nos fragmentar. Avisou à turma:
_ Já que não chegamos a uma conclusão sobre o tema da redação, esse colega de vocês vai decidir.
E se dirigindo a mim, pediu:
_ Dê um tema para as redações dos seus colegas, por favor.
Surpreendido com o pedido e irritado com a atitude de Valéria em me envolver num assunto sem me consultar antes, apanhei o giz e sem dizer nada escrevi com letras garrafais o tema no quadro: “O que mais me irrita neste momento”. É claro que a classe foi à loucura num coro de gargalhadas que puderam ser ouvidas pelo pavilhão todo.
Valéria acatou minha decisão, provavelmente contrariada, pelo simples fato de eu ter provocado mais algazarra do que já havia, ainda que não estivesse claro se os risos vieram por causa do tema ou por causa da maneira irritada como eu o escrevi no quadro.
Mais tarde, já com os ânimos voltados ao normal, refleti sobre o que aconteceu. Me senti um idiota, não tanto pela ação impulsiva mas pelo desperdício e injustiça. Pressenti que houve um desperdício da ocasião em que eu, ao invés de ajudar Valéria a se fortalecer perante a classe, acabei fortalecendo um laço meu com a classe, que aliás é ilusório pois não há ninguém naquela sala que poderia entender minhas atitudes, assim como eu não consigo entender nenhuma de suas atitudes. E também cometi uma injustiça na medida em que diminuí Valéria quando ela, apesar de agir mais por desespero do que por consciência, me engrandeceu ao me promover a árbitro da situação.
Eis uma das coisas que mais me irritam a todo instante: não conseguir delinear onde começa e onde termina meu campo gravitacional. E eu nem sequer usei a oportunidade da redação para escrever sobre isso...

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