quinta-feira, 12 de agosto de 2010

os olhos de Chronos

Diário de Estefânio Marchezini

06 de agosto de 2005

Hoje de manhã, depois da aula de inglês, eu andei pelas ruas e pela primeira vez elas passaram por mim. Antes eu não as sentia, não sentia sua respiração. Mas agora sei que elas respiram um ar misto, cheio de partículas diversas que saem dos pulmões das milhares de pessoas que cruzaram comigo e que cruzam todos os dias quando ando pelas ruas.
Eu sei porque isso aconteceu. É que nos últimos dias tenho pensado no futuro. Ele é assombroso, não gosto de pensar nele, mas não posso evitar. Então, ao brincar com o tempo, me deparei com o presente. Isso foi uma novidade na minha vida. E por isso eu fiquei mais sensível.
Então andei apressado, sentindo todo o vigor da minha juventude na força das minhas pernas e pés; sentindo toda saúde dos meus órgãos. E como não conseguia parar de pensar no tempo, comecei a enlouquecer. Saí batendo a cabeça pelos muros e a cada choque, cada choro, cada soluço, surgia na minha mente uma certeza: esse fantasma me perseguirá para sempre. Enquanto eu não acreditar que existo por inteiro, ou seja, enquanto eu acreditar que sou uma anulação do humano, o fantasma me perseguirá.
E como se não bastasse falar baixinho para mim mesmo o que eu já sabia, ainda vieram cenas que ainda não aconteceram, revelações do meu futuro, e me mostraram, como num filme de cinema, que realmente eu não tinha saída.
Tudo isso aconteceu dentro de mim sem que ninguém pelas ruas desconfiasse de nada. Minha face, provavelmente deformada pelo sufoco, não despertou a atenção de ninguém. Esse segredo, essa intimidade, essa reserva de sentimentos e perturbações... são a maior comprovação de que tudo que me foi revelado será de fato, meu futuro.

08 de agosto de 2005

Cada vez que uma pessoa adulta me aborda, é como se a síntese da vida estivesse diante de mim. Porque isso sempre acontece quando esses adultos, gente vivida e experiente, se irritam com os jovens e suas bobagens, suas brincadeirinhas e, na tentativa de chacoalhar a juventude e acordá-la para a maravilha que é estar vivo, acabam agredindo até. É uma forma de educar, eles pensam, mas não estão preocupados com a educação em si, pois esta poderia ser profunda, e o que esses adultos querem é apenas espantar dos mais jovens a sua tendência apavorada ao desprendimento da seriedade, com essas bobagens, essas brincadeiras e palavras ditas em voz alta mas que quase nunca dizem nada. De certo modo eu tenho que ter compreensão mas não posso esperar que eles me compreendam. Ainda que meu comportamento seja qualificado como o de um estranho, minhas tentativas de sobreviver a esse julgamento acabam às vezes me equiparando à maioria dos jovens da minha faixa etária e talvez por ser só um disfarce, minha verdadeira face acaba me denunciando e aí aqueles que não toleram risinhos, barulho, zoeira e palavras vazias, se lançam sobre mim com o objetivo de me expurgar. E eu, em silêncio, escuto os discursos enquanto saboreio o lamento amargo tanto pela vergonha de ser escolhido por minha fraqueza, quanto por entender que o que está em jogo não é a minha educação profunda mas apenas a educação temporária que me faça ser agradável a quem está perto de mim.
É diante dessas coisas, que até parecem exagero, sei lá... é diante disso que me sinto amedrontado. Pois vejo nesses alertas o problema da maturidade; mesmo que eles venham de alguém que viveu muito bem, que soube aproveitar cada minuto da juventude e que realizou todos os sonhos... Esses alertas mostram que viver intensamente e bem não é suficiente para despertar alguém para o profundo. Esse corpo, essa mente, esse espírito, e também toda essa coisa desconhecida que está sempre presente, tudo junto é apenas uma síntese. O resto é só desejo... o desejo inesgotável de parar o tempo enquanto não se enxerga luz... o desejo de dominar o tempo para a espera do último e triunfante discurso!

Nenhum comentário:

Postar um comentário