sexta-feira, 12 de março de 2010

SOB OS OLHOS DE CHRONOS

Diário de Estefãnio Marchezini

21 de julho de 2005

O que os outros me mostram como um recurso para a felicidade que eles não tiveram quando tinham a minha idade, para mim tem um caráter totalmente diferente do que o que tem para eles. Então aceito, ainda que sem perceber que estou aceitando de bom grado e só depois de já ter consumido e digerido todas as palavras, todas as regras, todas as leis, todos os procedimentos e tudo o que foi construído com todo carinho e espírito de providência para mim... só depois de aceitar tudo isso é que me dou conta da minha covardia quando negligenciei minha própria comunicação e acabei eu mesmo sendo engolido pelos patrocinadores da minha geração. É assim que me sinto e me flagro quase que diariamente: engolido.
Eu e todos os outros iguais a mim somos todos iguais. A única coisa que nos difere – e isso mantenho em absoluto segredo – é a minha neurose. Ninguém suportaria um adolescente neurótico. Não nos dias de hoje. Ninguém suportaria um adolescente que teme os olhos de Chronos e sua sentença como se já fosse velho ou estivesse à beira da morte. Assim, uma das máscaras que eu mais uso é a que me deixa bem parecido com os outros meninos e meninas da minha geração. Ela me protege de eventuais embaraços que são na verdade desaconselháveis e inoportunos, já que não fariam por si só grande diferença no quadro geral. Quanto a mim, aprendi a conviver com isso. Ao longo dos anos tenho exercitado a paciência e às vezes, quando ela falta, eu busco inspiração no padeiro; olho fixamente para toda aquela massa que a padaria transforma em pães e bolos e me imagino como sendo eu uma pequena porção de um dos ingredientes usados nas massas. Imagino a satisfação dos clientes quando devoram pães e bolos e a sua doce certeza de que, enquanto tudo funcionar bem – a economia, a profissão de padeiro, o mercado de trigo, leite e ovos – toda a ordem será, pelo menos aparentemente, preservada. Então tudo fica mais fácil. Eu volto a ser a criatura dócil que todos esperam, meus nervos são poupados e a digestão da sociedade segue sem ânsias de vômito.

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