Dando continuidade ao capítulo “Mirabilia”, do livro OLHO DE
VIDRO, de Márcia Tiburi, vamos entendendo a dimensão do poder que uma imagem
exerce no olhar ao cativá-lo pelo fascínio.
Ao mirar um objeto, consequentemente passo por uma construção, uma
afirmação. A televisão, enquanto momento técnico na história do olhar, promove
essa afirmação segundo seu método.
Vou me
permitir uma ironia, uma brincadeira: Este capítulo é até agora o que mais me fascina...
Por uma razão simples: aqui a
teoria vem de encontro a uma questão que há anos me inquieta. Quando penso no
processo histórico da dessacralização (processo no qual o sagrado deu lugar à
razão), inevitavelmente penso na manutenção política à energia que antes se
destinava ao sagrado. Acredito que o sistema de articulação pensar-sentir (que
talvez corresponda àquilo que Márcia cita como uma “lógica do olhar”), possa
ter sofrido um desvio, um desvio de direção, mas não de natureza... O que antes era reserva para o sentimento
religioso, no sentido da glorificação pela admissão do “ser superior”, talvez
possa ter cedido essa energia para o mesmo mecanismo onde, no lugar do divino e
da magia, se posicionou o incrível. Assim, para posto do incrível foi sendo
eleito aquilo que conseguisse garantir a permanência da reserva emocional que
se legitima quando em proporção de massa.
Mas voltemos a Márcia Tiburi... No
método atual, no método técnico, essa manutenção do desejo (ou aquilo que
chamei de energia), a televisão providencia o sentimento de verdade... O olho
se prende à imagem proporcionada pela televisão porque ela lhe oferece a ideia
do real na qualidade de um real desejado, logo, uma alucinação, no modo exposto
por Freud em “Luto e Melancolia”. Nesse trabalho
Freud define a melancolia como uma perda parecida com o luto (absorção do Eu
onde a perda é consciente), porém mais enigmática e inconsciente porque nela o
Eu passa por um processo de empobrecimento e esvaziamento. Portanto, eu diria que Márcia nos informa o caráter patológico do
ver-televisão. O olho deseja e busca algo que preencha o vazio do rosto, aquela
cavidade onde ele, o olho, deveria se
instalar. Mas esse olho construído para ocupar um vazio, por ser um olho de
vidro, artificial, requer uma imagem que também corresponda ao real, porém um real construído, artificial,
mais apropriado ao desejo de quem olha. Lembrando
Giorgio Agamben em “Homo Sacer, O Poder Soberano e a Vida Nua”, Márcia diz que “A
atitude do telespectador diante dela (a televisão) – e sob seu regime – não poderia
ser outra do que a do melancólico” (pg 97).
O fato é que essa alucinação
televisiva consiste na relação do olhar com o visível. Mas essa relação ainda
está, para mim, um pouco tumultuada. Espero que nas próximas páginas Márcia me
esclareça algumas coisas, principalmente as coisas relacionadas ao sujeito e ao
objeto dentro dessa relação.
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