Quando nasce um livro, as
personagens, ou pelo menos seus protagonistas, já estão velhos. Assim eu
percebo meus personagens. Porque eles nascem bem antes da história. Eles vagam
por muito tempo no plano infinito antes de serem confrontados com o real.
O
que é o Real para um personagem fictício?... O real lhe chega como uma outra
ficção, pois só assim essas duas entidades, personagem fictícia e realidade,
conseguem se fundir. Essa realidade
disfarçada de ficção não teme qualquer ameaça. Ela é vigorosa porque é só ideia;
não possui ação, não contempla reações, valor, juízo. Ela é uma foto do real
mas não possui o estatuto da realidade. Assim,
o personagem fictício consegue se inserir nela e articular com suas forças...
energia que vem do Real (consciência, valor, juízo, ação).
Ao se encontrar num plano de possibilidade
real, do limite, não mais do infinito, o personagem entra no processo de
construção, de fato. Meus personagens são mais vivos e coerentes quanto mais
viva e forte é a experiência real que os abraçou e os transportou para o
enredo. Meus personagens fatalmente resistirão à escrita enquanto não houver
uma harmonia nesse encontro, nessa junção.
Deve haver um mínimo de harmonia.
Paradoxalmente,
o personagem muitas vezes nascerá da própria negação do real e isto tornará sua
construção ainda mais terrível. Contudo, ele buscará uma via de acesso enquanto
vagar pelo campo da ideia. Ali ele mostrará várias faces mas estas raramente
revelarão nitidamente sua essência. Mesmo antes de ganhar páginas, o personagem
detém uma essência e ela só terá chance de se revelar com fidelidade quando se
consumar a ficção/criação. Nesse
estágio, a ideia terá se materializado, a sustentação daquele coração fictício
terá enfim uma chancela: a Forma.
Palavra
e Realidade são portanto as frentes de batalha em que o personagem de ficção
travará sua luta por concretização, ora se entregando, ora resistindo. Ele se
nutrirá da seiva do conhecimento da realidade. No ato da escrita, quando o real
é disperso, nebuloso, maquiado, o personagem tende a recuar. O conhecimento aqui significa a realidade
vivenciada como confronto, mesmo no cotidiano. Ainda que esse confronto se
dilua no tempo de vivência – o que amortece o poder de impacto da experiência
vital – deve se abrir os olhos para o arrebatamento. Pois é através dele que o
personagem fugirá da invenção para se tornar ficção.
Belo, Regina. Você vai refletindo sobre o que faz, e o fazer, mais consciente,te aperfeiçoa.
ResponderExcluirBeijos!
obrigada, Menalton!
ResponderExcluir