quinta-feira, 29 de março de 2012

UM MUNDO MEFISTOFÉLICO

Assisti à peça “Infausto - no Meio do Redemoinho”. Antecipo que aqui não haverá uma crítica especializada, já que sou apenas espectadora, de passagem. Não sou crítica de teatro. Tampouco faço parte do público fiel de teatro.
Mas acredito conhecer um pouco sobre texto e o que vi no texto teatral de “Infausto”, a princípio, foi o desafio que encarei ao trabalhar com o mesmo tema, no romance: fazer referência a um poderoso mito que nasceu no século XVI. Ou seja, Fausto já nos acompanha desde que decidimos abandonar a fé para seguir pelo caminho da ciência. Isso o torna sempre muito atual. Um mito tão atual já recebeu muitas versões, já foi exposto de mil maneiras. Não dá para assistir mais uma versão sem se deixar levar pela tentação de comparar.
O Fausto do texto de Lucas Arantes começa seu drama dentro de uma granja. Fausto é um acadêmico que teve que deixar a Academia para conviver com galinhas. A fome de conhecimento é substituída pela atividade de engordar galinhas. Nessa frustrante condição, Fausto recebe a visita do Demônio, que demonstra conhecer profundamente o mundo acadêmico... logo, compreende o que Fausto necessita. Para um melhor entendimento entre ambos, segue-se uma refeição, uma ceia, graças ao sacrifício de uma das galinhas, entregue à mesa dos dois.
Entram em cena jovens universitários. É a juventude que Fausto deseja?... É isso que ele quer para ganhar tempo de compreender o que seu cansaço de velho já não permite compreender?... Sim, admite o velho Fausto. Porém, o que temos dessa juventude? Que mente descansada e criativa é essa que Fausto cobiça?
Não... Na visão do Demônio, seu contratante, não há um vigor intelectual nessa juventude do século XXI, não há vigor que seja digno de um Fausto, não neste século, quando a Ciência impera no universo, nas células, nos bits. Não... Contrariando o que foi prometido ao estudioso faustiano do século XVI, essa juventude revela-se desperdiçada e despedaçada em Massa. Os universitários de “Infausto” são os micos de um circo programado, mentes absorvidas pelo modismo, desejo coletivo de pular e macaquear, pulos que fazem barulho...
Mas para ganhar a alma de Fausto, o Demônio pode perfeitamente associar juventude à sede de saber, ao descanso, à disposição para o conhecimento... Contudo, sabemos que ele finge, ele engana. Assim, ele salta da mente científica do velho acadêmico para o corpo e desejo do jovem estudante. Nosso Demônio de Ribeirão Preto prepara seu pacto. Gera um novo Adão. Dá ao acadêmico o corpo de um jovem. Sacrifica esse jovem tal como acontecera à galinha que serviu para a ceia. Nesse corpo jovem, acostumado à macaquice da Massa, já não há espaço para o conhecimento e sim o doce prazer de cair na armadilha do desejo. Eis o plano do Mefisto de “Infausto”: o desejo do corpo assume o lugar da sede do conhecer. Fausto está perdido. Agraciado com o corpo jovem, fisicamente revigorado e intelectualmente passivo, o acadêmico tenta se salvar no amor. E nestes tempos, nada mais aconselhável do que estender a mão ao outro, como terapia, para ambos: quem estende a mão e que a segura. Surge Rosa (irmã gêmea de Margarida, de Goethe). A caridosa Rosa é a salvação de Fausto. Mas ela, tal como Margarida, não fora feita para Fausto porque pertence a Deus. Ainda assim, os dois se enlaçam. Cumpre-se o projeto demoníaco. Rosa é penalizada por amar Fausto.
O novo Adão percebe sua ruína e conhece o arrependimento. Mas se o Adão bíblico é expulso do paraíso por desobediência, o Adão-Fausto se culpa por corromper o paraíso. Não há expulsão, mas ele está condenado a arcar com as consequências da sua escolha.
A atualidade do mito de Fausto se consagra na insuficiência da razão humana diante da realidade marcada, a cada momento, por alguma frustração. Em tempos atuais, essa impotência ocasiona o resgate de sentimentos religiosos, crenças e esperanças em algo além da matéria, além do conhecimento palpável. Será isso que chamamos redenção?... Ou redenção é apenas o nome do disfarce da ilusão? Nada mais trágico... como o diabo gosta!


“Infausto – no meio do redemoinho”.
A estreia aconteceu dia 27 de março, na Praça Carlos Gomes, Ribeirão Preto

Direção: Dino Bernardi; Dramaturgia: Lucas Arantes; Assitência de Direção: Renata Torraca; Direção Musical: Francis Wiermann; Elenco: Fausto Ribeiro, Gabriel Galhardo, Márcio Bá, Monalisa Machado e Poliana Savegnago; Elenco convidado: Fernanda Soto, Matheus Savazzi e Vinícius Andrade; Músicos convidados: Claire Jezequel e Emanuel Dlouhy; Cenografia e Figurino: Dino Bernardi; Iluminação: Érico Daminelli; Preparação de Atores: Gustavo Sol;
“Projeto realizado com o apoio do Governo do Estado de São Paulo, Secretaria de Estado da Cultura – Programa de Ação Cultural – 2011”.

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