quarta-feira, 29 de setembro de 2010

ato penitencial

Acabei o livro.
Depois de tantas alterações na primeira versão, de 2006, e depois de uma grande reformulação... finalmente dou o romance por acabado.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

mais um romance está se construindo

Tenho estado super ocupada com a revisão (ou seria a reescrita) de um livro que criei em 2006. Ao longo dos últimos anos eu já fiz mil alterações nele. Mas de uns 2 ou 3 meses para cá as mudanças foram bruscas. É que em meio a algumas leituras, me dei conta de que o protagonista daquele livro de 2006 tinha muito do Fausto (do mito de Fausto, já explorado por grandes nomes da literatura universal). Então me ocorreu a ideia de assumir de vez que havia um Fausto na minha gaveta. Assim, mergulhei mais uma vez no texto, já tão revisado, e repensei o livro... Na verdade, a versão nova é praticamente um texto novo, de tantas alterações. Mas o espírito proposto desde o início ainda é o mesmo. Aliás, o título também é o mesmo do texto original: ATO PENITENCIAL.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O circo de horrores

Diário de Estefânio Marchezini

13 de agosto de 2005

O tempo que perco com pessoas, fatos e suas consequências não me retornará na forma de nada que seja vital, ao contrário, só prejudica os possíveis esforços que faço para me manter íntegro. Pois esse tempo quase sempre é preenchido por um pensamento contaminado pelas próprias circunstâncias que prezam e anseiam pelo meu deslocamento até aquelas pessoas, fatos e suas consequências, de modo a ganhar minha adesão ou derrotar a minha postura, de acordo com o que minha figura representa naquele porco ringue de lutadores mascarados.
E eu, lamentavelmente, mesmo percebendo tudo, acabo me deixando tomar pela mão suja de lama dos patrocinadores do circo.
Quero me libertar desse sentimento. Quero parar de pensar com raiva; quero deixar que conspirem contra mim, que me julguem à minha revelia. Que se dane tudo! Não há nada aqui, nesse mundinho de adolescentes metidos, que possa me servir ao crescimento. E o que pode parecer nocivo a mim, só o será se eu assim o considerar; e eu só o considerarei se cair na armadilha do sistema dessa turma.
Devo ser portanto como o romântico, o ingênuo, o esquizofrênico, ou o egocêntrico. Devo ser só!

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

a neurose de Estefânio

Durante o tempo em que compus "Diário de Um Neurótico", eu perguntava, afinal, qual era o problema de Estefânio. Por que aquele medo profundo? Qual a origem de tanta impotência diante da maioridade?
Com o desenvolvimento da personagem, procurei explorar a ideia de uma geração "engolida" pela geração anterior. Essa foi a saída para o protagonista compreender seu deslocamento e seu gigante temor diante do que o mundo espera dos adultos. Daí veio a imagem do mito grego Cronos, que engolia os filhos ao nascerem. Estefânio se declara consciente sobre sua "doença", e entende que não se trata apenas de um caso isolado: ele é fruto de uma geração onde os pais e tutores, em nome da proteção aos filhos, anulam neles o pensamento, a ação, a vontade ou conduzem tudo de modo a poupá-los o máximo possível.
A relação com o tempo passa a ter um papel especial na figura do neurótico: Estefânio sabe que para agir, tomar decisões, fazer planos, tomar iniciativas, terá sempre que atravessar a barreira do distúrbio, o que lhe tomará mais tempo em relação àqueles que agem com mais segurança e equilíbrio.
Eis o perfil que traço do meu protagonista. Não creio que ele seja de todo uma fábula. Acho que Estefânio representa bem uma boa parte da geração de jovens hoje. E quanto a nós, sua geração antecedente, temos grande responsabilidade nesse estado de coisas.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Talvez, um amigo

Diário de Estefânio Marchezini

12 de agosto de 2005

O Dani é um cara que poderia ser meu amigo se ele quisesse. Porque eu, por mim, seria amigo dele. Estamos na mesma sala desde a oitava série mas nunca trocamos mais do três ou quatro palavras porque nossas diferenças de personalidade são gritantes. Eu sou o cara caladão, bonzinho, que faz todas as lições de casa; Dani está sempre nos centros das rodas de garotos e garotas. É o cara que sempre fala mais alto, nunca está sozinho, é sempre o líder de qualquer grupo de pesquisa ou do time de basquete, futebol, vôlei... Eu sempre tive uma impressão interessante sobre ele... pelo menos até hoje. Sempre o achei um cara legal, sintonizado, atento às novidades, bem resolvido. Enfim, sempre o invejei quando sofria e sofro ainda com meu deslocamento, meu isolamento involuntário.
Mas hoje Dani e eu nos falamos por um bom tempo e pela primeira vez e infelizmente meu conceito sobre ele, depois desse contato, mudou radicalmente. Nos encontramos na cantina da escola, na hora do recreio. Ele se sentou na minha mesa porque não viu nenhuma outra vazia. Acabamos conversando. Ele começou dizendo que estava angustiado e foi logo despejando o motivo de sua angústia como se eu fosse seu amigo íntimo. Eu pensei: “Caramba, o Dani angustiado?!” Sempre vi esse cara como um cara poderoso, do tipo... “não tenho problemas”. Mas, para minha surpresa, o Dani me confidenciou coisas que, se fosse comigo, eu não teria coragem de dividir com um desconhecido, o que me dá uma boa sensação de normalidade porque tenho certeza que a maioria das pessoas pensaria como eu.
Não sei porque Dani fez isso, quero dizer, porque ele se abriu comigo, sendo que nós nunca fomos íntimos. Talvez faça parte do temperamento dele agir assim, falar de coisas de casa, da família, com o primeiro que aparece; ou então a exclusividade não esteja nele mas em mim; talvez Dani tenha procurado alguém fechado em si, dotado apenas de ouvidos e não de língua, e viu em mim o ouvinte perfeito.
Ao se apresentar, Dani me surpreendeu dizendo que já tinha ouvido falar de mim:
_ Todo mundo diz que você nunca se enturma. Por quê?
Eu, constrangido até os ossos, respondi:
_ Deve ser porque sou muito calado.
Confesso que procurei mas não achei resposta melhor. Ainda bem que ele pareceu não ter prestado atenção no que eu disse e perguntou:
_ A gente pode conversar um pouco?
Eu respondi que sim. E foi aí que Dani começou a falar. Disse que tinha acabado de fazer uma coisa inusitada. Eu fiquei calado, atento mas sem demonstrar curiosidade, embora estivesse curioso. Ele foi em frente:
_Acabei de ter uma conversa séria com o suposto e muito provável amante de minha mãe... Não foi um encontro fácil... não foi fácil enfrentar aquele cara... Sabe o que significa encarar o amante da própria mãe, cara?
Eu fiquei quieto, esperando aparecer algo mais inusitado, pois na verdade eu aguardava uma história diferente, mais misteriosa, mais escandalosa ou mais dramática. Dani fez uma pausa como se me dissesse “o que você acha disso?”. Como ele não desembuchava eu disse:
_Então você enfrentou o cara?
_Enfrentei. Eu não me intimidei, disse tudo numa tacada só, não dei chance nem dele pensar. Ele deve estar tonto até agora. Eu deixei bem claro para esse sujeitinho que ele não está lidando com idiotas, entendeu? O filho da puta deve estar, nesse momento, terminando o romance com a minha mãe. Pois eu tenho certeza que ele não vai ter cara de pau de continuar essa aventura depois de tudo que eu disse.
Antes que aquele babaca continuasse se vangloriando eu quis tirar uma dúvida:
_ Mas a sua mãe estava correspondendo?
E ele:
_ Que diferença faz? Ela é uma mulher casada, cara, tem um filho, eu; tem casa pra cuidar. Ela é minha mãe, caralho!
Eu não conseguia acreditar no que ouvia. O cara que eu achava ser tão maluco não passava de um imbecil. Ele não me perguntou mas eu quis expressar minha opinião para que ele se afastasse de mim o quanto antes.
_ Eu não me meteria numa história que não é minha... Se fosse comigo, eu deixava minha mãe se virar... É assunto dela... Ela é que tem que resolver...
Foi a vez do Dani ficar perplexo:
_ Espera aí, cara, você não está entendendo. Quando o pai da gente dá umas pulada de cerca, a gente até entende, mas eu estou falando da mãe, entendeu? Da minha mãe. Ela bem que tentou usar essa história de que meu pai é infiel, que ele usa o casamento por conveniência, que ele também tem uma amante, mas você não acha que a gente tem que aguentar essa balela, não é?
E eu:
_ Eu não acho nada, não conheço seus pais, não conheço os amantes deles.
Aí então, perdi o apetite. Eu, que estava na metade de um cachorro-quente, larguei o resto do lanche sobre a mesa, me calei de novo e fiquei esperando que o palhaço se levantasse e fosse desabafar ou contar vantagem em outra freguesia, mas como ele ria com deboche sabe-se lá por quê ou por quem, como se quisesse fechar seu dia de batalha com chave de ouro, humilhando o tipo mais excluído da escola, eu controlei milagrosamente minha fúria e num tom extremamente civilizado fiz minha última tentativa de me sobrepor:
_ Qual a diferença entre saber das aventuras do pai e saber das aventuras da mãe?
Dani fez uma expressão de quem tinha acabado de assistir um acidente, uma expressão que mais parecia a de um paciente ao saber do médico, que está condenado. Mas ao contrário do que eu esperava, ele não tentou me catequizar. Ele apenas fez um joguinho idiota que não me motivou a nada, mas pelo menos recuperou meu apetite:
_ Você não é desse mundo, né? Você não entendeu uma palavra do que eu disse, cara. Por isso que está sempre sozinho, você não entende nada da vida. Seu problema é que você é muito ingênuo. Cuidado, Estefânio, ingenuidade não leva a nada, só para o buraco. Você precisa conversar mais com as pessoas, dar uns beijos nas meninas. Você já ficou com alguém?
_ Não.
_ Você nunca ficou com nenhuma menina?!
A campainha da escola tocou avisando que o recreio tinha acabado. Dani queria dizer mais alguma coisa, sem dúvida, queria me enterrar vivo, mas estava cansado demais. Eu tive que engolir o que restava do lanche para voltar à aula.